ASSUNTO: Direito de Resposta


Estimado Director,

Começo por apresentar os meus respeitosos cumprimentos.


Na sequência da matéria publicada no Jornal de Angola no pretérito dia 7 de Agosto de 2019 (Quarta-feira), edição No15711 (Ano 44) em que se dá destaque ao historiador português Pedro Pezarat Correia, nas páginas 4 e 5, com os títulos espampanantes ́ ́Historiador desfaz mitos e esclarece equívocos em Livro ́ ́ ou ainda ́ ́Do lado do colonizador, mas do lado certo da História ́ ́, aproveito o ensejo para fazer uma réplica à referência feita à minha obra autobiográfica com a epígrafe ́ ́O equívoco de N ́Zau Puna ́ ́. Pelo que rogo que estes esclarecimentos sejam publicados no Jornal de Angola com o mesmo destaque.


Em primeiro lugar, como não sou historiador, não vou entrar no mérito da obra do Pezarat Correia sobre a descolonização. Todavia, o facto de não ser historiador não siginifica que sou ignorante da história, sobretudo dessa história em que eu próprio sou protagonista e testemunha na minha qualidade de nacionalista e combatente da liberdade. É neste sentido que tenho uma palavra a dizer sobre o que o nosso Jornal de Angola chamou de ́ ́equívoco ́ ́ e o senhor Pezarat qualificou de ́ ́fantasia ́ ́.


Em 1956 Angola deixa de ser Colónia e passa a ter o estututo de ́ ́Província Ultramarina ́ ́ e Cabinda fica com o estatuto de ́ ́Distrito ́ ́, conforme o despacho de Sá Viano Rebelo. A partir de então ficava proibida a designação de ́ ́Enclave ́ ́ até aí vigente em relação a Cabinda, impedindo ipso facto o andamento de qualquer correio oficial que usasse essa designação. Esse senhor perguntou aos Cabindas? Foi uma imposição do colonialismo. E não esqueçamos que Cabinda gozava então do estatuto internacional de protectorado decorrente do Tratado de Simulambuco de 1 de Fevreiro de 1885.


Quando fui para o Seminário Menor de Cabinda em 1948, após a ordenação do padre (e futuro Arcebispo) Manuel Franklin da Costa, eram Prefeitos do Seminário Eduardo André Muaca (futuro Arcebispo de Luanda) e Alexandre Tati para a 3a classe e Mateus Ferreira dos Santos e Domingos Quioza para a 4o classe. Estes nos ensinavam quer na Geografia, quer na História, rios de Portugal e seus afluentes, caminhos de ferro e seus apeadeiros, a monarquia lusitana, as célebres batalhas como a de Aljubarota, etc. De Angola praticamente nada. Quando se tratasse de Cabinda naquela altura então entre professores e alunos dizia-se que temos um território ao Norte do rio Zaire que se chama ́ ́Enclave de Cabinda ́ ́ ou ́ ́Congo Português ́ ́ (já havia o Congo Belga e o Congo Francês).


Em 1956 sou destacado como professor da escola primária de S.José de Ambriz onde encontro o padre Farinha e o padre António da Silva Maia. Em Julho desse ano vou de férias para Cabinda, onde o meu pai me convida a ir ver o governador de Cabinda. Este faz-me então uma proposta inesperada para que eu fosse o sucessor do meu avô Alberto Roberto Puna, assumindo o título de Barão de Cabinda. Obviamente rejeitei a proposta. O Governador insistiu tentando persuadir-me a aceitar. Dizia que se era pela idade para isso se podia arranjar conselheiros. Mesmo assim não aceitei. Foi então nomeado Barão de Cabinda o meu tio Lourenço (Bilolo). Mas este por defender ideias ou interesses voltados para Cabinda foi preso e desterrado para a cadeia de S. Nicolau.


Ora bem, o senhor historiador que ousa atacar-me conheci-o como oficial superior das forças portuguesas contra as quais eu combati, sobretudo no Leste. Foi colonialista e fascista ao serviço do regime do Salazar. Na sua digressão por vários territórios portugueses em Africa, o que fez como militar foi participar na morte de muitos nacionalistas. É a isso que o jornal de Angola retrata como ́ ́percurso fascinante ́ ́ a custo do sangue dos filhos de Angola que sacrificaram as suas vidas pela liberdade. É a essa personalidade que alguns angolanos, hoje, infelizmente consideram estar do ́ ́lado certo da história ́ ́. Do lado certo da história talvez pela sua conversão ao comunismo e seu protagonismo depois do 25 de Abril. Eu, como combatente da liberdade, cumpri a minha missão e apenas uma vez me encontrei com o dito historiador depois do cessar-fogo entre a UNITA e as forças portuguesas no Lungue-Bungo (Sakalemba). Houve uma grande discussão sobre o local do cessar-fogo. Os portugueses queriam que fosse para lá da fronteira com a Zâmbia, isto é fora do território nacional. A UNITA não aceitou e acabou por acontecer dentro do território nacional. O dito historiador sempre teve opiniões sectaristas em relação aos três movimentos de libertação. Por isso, não aceito receber lições de história de um colonizador e um fascista de Salazar que me combateu e procurou me eliminar. Não posso aceitar lições de um historiador parcial.


Em relação à dita ́ ́fantasia ́ ́ retratada no jornal de Angola, reitero que o acordo de Alvor foi o acto que integrou Cabinda formalmente no futuro estado de Angola que estava para nascer. Embora o acordo tenha sido violado e suspenso pelas autoridades portuguesas, o seu artigo 3o talvez foi único que vingou e foi cumprido na íntegra. Cabinda não estava integrada em Angola antes dessa data porque era um domínio submetido directamente à soberania portuguesa. Embora em 1956, como uma estratégia de comodidade administrativa, Cabinda tivesse começado a depender do Governador-Geral em Luanda, a verdade é que a Constituição Portuguesa de 1933 que esteve vigente até ao momento da descolonização considerava Cabinda um território distinto de Angola. Quanto ao papel de Portugal no Alvor, é claro que Pezarat de Correia tem de aceitar com honestidade intelectual que a decisão não esteve apenas nas mãos nos movimentos de libertação angolanos. Portugal ainda mantinha o leme durante o processo da descolonização. Foi um pouco antes do Alvor que numa reunião em Belém onde estavam o Presidente Costa Gomes, Mário Soares, na qualidade ministro dos Negócios Estrangeiros, Melo Antunes, na sua qualidade de ministro sem pasta e Almeida Santos, enquanto ministro da coordenação interterritorial, discutiram o que se devia fazer com Cabinda. E a decisão que saiu da reunião, depois de alguma discussão, para o bem dos interesses de Portugal, era enveredar por uma descolonização conjunta entre Cabinda e Angola, alegando o perigo de o petróleo de Cabinda ir cair nas mãos do Presidente Mobutu e dos franceses.

Termino dizendo, portanto, que a história de Cabinda teria um fim aceitável por todos se se cumprisse o que os belgas fizeram no Ruanda-Urundi que também foram distritos dependentes da administração colonial em Leopoldville.

Miguel Maria N ́Zau Puna

PS. O Jornal de Angola negou-me o direito de resposta, em plena violação da liberdade expressão e do princípio do contraditório, recusando a publicação da minha opinião. Esta é a razão que me fez recorrer ao site do Club-K. É triste para quem combateu pela liberdade que lhe seja recusada a liberdade de expressão. Fico sem saber qual era a verdadeira agenda do nosso Jornal de Angola em dar destaque a um antigo colonizador, negando dar espaço a um nacionalista.