Lisboa - Com fortes palpitações no coração está também Higino Carneiro, o antigo governador provincial de Luanda, colocado desde fevereiro último sob vigilância por alegado envolvimento num “crime de peculato, violação das normas de execução orçamental, abuso de poder e branqueamento de capitais”.


*Gustavo Costa
Fonte: Expresso

Quem se prepara igualmente para enfrentar a barra do tribunal é o antigo ministro da Comunicação Social e ex-diretor do Grecima, Manuel Rabelais, acusado de ter desviado fundos públicos para contas particulares e de familiares, e vai responder por crimes “de peculato, associação criminosa, corrupção passiva e branqueamento de capitais”.

 

A salvo destes náufragos parece estar o “trio de ataque”, a expressão futebolística que retrata a forma como durante a última década e meia três dos homens de maior confiança do ex-presidente se envolveram no mundo dos negócios em Angola: Manuel Vicente, ex-presidente da Sonangol e ex-vice-presidente da República; Manuel Hélder Vieira Dias, “Kopelipa”, ex-chefe da Casa Militar da Presidência da República; e Leopoldino Fragoso do Nascimento, ex-chefe dos Serviços de Comunicações do Palácio.

 

Nas mãos deste trio, desde os petróleos aos transportes, do imobiliário à produção de biocombustíveis, cruzam-se vários negócios, sendo um dos mais prósperos a rede de supermercados Kero, que num ano chegou a faturar 850 milhões de dólares (cerca de €777 milhões)!

 

Projetado por Pedro de Castro Van Duném, antigo ministro da Energia e Petróleo, Manuel Vicente está ligado por afinidades familiares a Eduardo dos Santos — é meio-irmão de um filho que o seu pai teve com a irmã mais velha do antigo chefe de Estado angolano, Isabel dos Santos.

 

Se “Kopelipa” transporta consigo capital político e militar adquirido durante a sua curta estada na guerrilha do MPLA, à qual se juntou fugido de Portugal ainda antes do 25 de Abril de 1974, Leopoldino do Nascimento, um desconhecido 1º tenente do sector das comunicações da Tropa de Guarda Fronteira, formado na Bulgária, deve a sua ascensão no Palácio à amizade com Ana Paula dos Santos, ex-mulher de José Eduardo dos Santos.

 

“Dino” rapidamente passou a ser o principal ajudante de campo do então Presidente. “Era o homem dos seus recados especiais”, disse ao Expresso fonte da Presidência.


Atrás de cada uma das fortunas que incorpora o império destes três homens, encontram-se agora personalidades distintas, com percursos diferentes e um destino que não será certamente o mesmo.

 

Quem, no entanto, não escapou ileso aos petardos da Justiça foi o filho mais velho do antigo Presidente, José Filomeno dos Santos, “Zenú”, detido após a exoneração da irmã Isabel dos Santos da liderança da Sonangol e do seu afastamento do Fundo Soberano. “A habitual frieza do pai ficou completamente destroçada”, conta uma fonte do processo.

 

Visivelmente perturbado, segundo apurou o Expresso, logo após a detenção do filho, Eduardo dos Santos não se conteve e fez vários telefonemas a um antigo colaborador, protestando contra “os excessos de poder” atribuídos aos procuradores.


A prisão e o julgamento do filho, acusado jun- tamente com o ex-governador do Banco Nacional de Angola, Valter Filipe, do “crime de burla, tráfico de influência e branqueamento de capitais” no caso dos 500 milhões de dólares (€457 milhões) desviados dos cofres daquela instituição, acabaram por acentuar a rutura com João Lourenço.

 

Uma ruptura preanunciada com o arrependimento expresso por José Eduardo dos Santos relativamente à indicação daquele como seu sucessor. Na verdade, na véspera das eleições, então sob o fogo de críticas de vários dirigentes à sua liderança, diante de João Lourenço, não se coibiu de assumir claramente a sua preferência por Pitra Neto, antigo vice-presidente do MPLA.

Pitra Neto, que durante muitos anos geriu sem qualquer escrutínio os recursos da Segurança Social, demarca-se agora dos desvarios de José Eduardo dos Santos depois de ter recusado o cargo de ministro de Estado proposto por João Lourenço para integrar o seu Executivo. “Não morre de amores pela liderança do novo Presidente e só aceitaria permanecer no Governo se lhe fosse garantido continuar a ser ministro do emprego”, revelou ao Expresso um dirigente do MPLA.

Longe deste fogo cruzado está António Van-Dunem, em tempos influente secretário do Conselho de Ministros, que seria demitido na sequência de uma teia urdida por si próprio em torno de interesses que gravitavam à volta da Sonangol. Quinze anos depois, sem o brilho e o poder de outros tempos, António Van-Dunem faz agora um caminho discreto pelo mundo dos negócios, atento também às oportunidades que existem em Moçambique.


Neste país do Índico, aquele antigo governante apostou na construção das barragens de Boroma (200 MW) e Lupata (600 MW) através da realização de projetos e estudos de impacte ambiental e de viabilidade técnica estimados em 20 milhões de dólares (cerca de €18 milhões). “Envolvemos a Enangol, que suportou integralmente os custos que em Angola ficariam pelo dobro do preço”, garantiu António Van-Dunem, confiante no sucesso desta aposta no mercado moçambicano.



Acionista de referência da Geni, detentora de 25% da Unitel, é no sector das telecomunicações que este jurista concentra hoje as suas principais atenções em Angola. No diferendo que opõe Isabel dos Santos ao Estado através da Sonangol na disputa da liderança da maior empresa de telefones móveis de Angola, no ano passado ainda chegou a tentar fazer a “ponte” com as autoridades, mas, à última hora, a empresária terá roído a corda...

 

Preocupado com o clima de instabilidade instalado há muito na estrutura acionista da Unitel, António Van-Dunem reconhece que “se está a perder muito tempo com problemas domésticos” e que “não havendo nenhuma empresa angolana com know-how” para elevar as suas performances, “o Estado deve oferecer confiança ao mercado para atrair um grande operador internacional que ajude a companhia a consolidar o sistema 4G e mais tarde a migrar para o 5G ”.


Já o seu antecessor, Carlos Feijó, depois de uma primeira passagem pela Casa Civil e de ter feito em Lisboa um doutoramento em Direito Público, regressou ao Governo em 2010, ocupando pela segunda vez aqueles cargos, já com funções de coordenador da equipa económica. “Desta vez ambicionava ir mais longe”, alerta um antigo colega da Faculdade de Direito.

 

Aproveitando-se de uma ampla exposição mediática do seu poder, Carlos Feijó, em clara ascensão política, viu na fadiga e no desgaste da imagem de Eduardo dos Santos, já então atolado em casos de corrupção e de nepotismo, uma janela para sonhar com a cadeira presidencial. “É brilhante, mas deslumbrou-se com a ascensão e acabou por incorrer em imperdoáveis laivos de infantilidade”, confessa um antigo funcionário da Presidência.


Em resposta a esta acusação, aquele que já foi considerado “o menino bonito” de José Eduardo dos Santos argumentou que “ a partir do momento em que se começou a desenhar um cenário conducente à sucessão do Presidente, lá dentro, levaram a cabo uma guerra sem quartel contra mim”. Afirmando-se vítima de um vendaval de intrigas montado por outros membros da antiga entourage presidencial, no seu afastamento Carlos Feijó alega terem pesado falsas acusações que o apontavam como o “passador” de informações confidenciais para a imprensa privada...


Criticado em vários quadrantes da sociedade por ter caucionado, na elaboração da nova Constituição, a exorbitação dos poderes presidenciais, depois de se ter notabilizado como advogado da Sonangol na estruturação do projeto LNG, faz agora da consultoria jurídica o principal modo de vida, ocupando o 15º andar do edifício CIF Luanda One — um imponente escritório constituído por 20 advogados, entre internos e consultores externos. Abdicando sucessivamente de integrar as listas parlamentares do MPLA, a docência é uma das suas grandes paixões, tanto em Angola como em Portugal, onde é regente na Universidade Nova de Lisboa da disciplina de Direito Africano. “Nunca esteve nos meus planos fazer da política uma carreira, tendo a minha experiência demonstrado que as pessoas que estão fora da vida política também têm vida própria”, disse de forma categórica. Havendo mais vida para lá da política e da advocacia, depois de ter sido presidente do Conselho de Administração da De Beers, Carlos Feijó divorciou-se também do (falido) Grupo Gema, liderado por José Leitão, outro ex-colaborador de Eduardo dos Santos na Presidência do Conselho de Ministros.


De costas voltadas para o antigo Presidente, José Leitão trava uma batalha judicial com Januário Makamba pela titularidade de bens que, afirma, lhe foram usurpados. Detentor de uma vasta rede de negócios arregimentada no tempo em que era um dos braços-direitos de Eduardo dos Santos, este jurista viu ruir negócios estabelecidos nas áreas dos petróleos no bloco 18 com a Escom; na construção civil, associado à Edifer; na comercialização de viaturas com a Teixeira Duarte e com a Coca-Cola. Em sentido oposto, Carlos Feijó não deixa de se assumir como um tranquilo homem de negócios com interesses, entre outros, nas Grandes Moagens de Angola.


“É preciso desmistificar certos preconceitos, pois muita gente que tem dinheiro não o tem por ter andado a roubar, mas sim a trabalhar”, diz este jurista, que continua a franquear a porta principal do Palácio da Cidade Alta, mantendo regularmente encontros privados com o Presidente João Lourenço.


Com os cofres cheios e a sucessão à vista, há três anos o palco parecia então destinado a um engenheiro eletrotécnico que rapidamente se transformou no “senhor petróleo” de Angola, Manuel Vicente. Mas, ainda antes de José Eduardo dos Santos apontar João Lourenço como seu sucessor, fustigado por um alegado caso de corrupção com um magistrado judicial português e de candeias às avessas com Isabel dos Santos, a sua estrela acabaria por se eclipsar. De lá para cá, o antigo patrão da Sonangol preferiu resguardar-se de qualquer ex- posição pública.

 

Desde o início da “Operação Fizz” que Portugal “é para esquecer”, embora Manuel Vicente man tenha na sua lista telefónica muitos contactos de portugueses. O ex-vice-presidente de Angola não compreende por que razão “há lá tanta gente que não me deixa em paz”. Mas agora só quer “sossego” para se concentrar num “investimento que estou a fazer na criação de gado na nossa terra”.

 

Atalhando caminhos longe da rota do crude, vê o presente com preocupação, mas não deixa de acenar ao futuro com confiança, retirando riqueza do subsolo através do investimento de mais de 25 milhões de dólares (€24 milhões) no agronegócio.


Uma aposta de longo prazo está a ser feita neste sentido na província de Malanje com a exploração de 50 mil hectares de terra e a criação de 40 mil cabeças de gado bovino e caprino, assim como de búfalos importados do Brasil.

 

No Mucoso, província do Cuanza-Norte, numa área de 10 hectares, Manuel Vicente criou um moderno matadouro industrial com capacidade para abate diário de 150 animais, que, através da empresa Unicarnes, assegura o abastecimento à rede hospitalar do país, a refeitórios e a várias estruturas logísticas do sector petrolífero.

O futuro continua, assim, garantido para este gentleman da diplomacia petrolífera angolana, que sendo mais conhecido além-fronteiras do que em Angola possui uma rede de contactos internacionais absolutamente imbatível a nível doméstico. Estando ligado a segmentos de negócio como o imobiliário e a construção civil, não espanta, por isso, que tenha sido pela sua mão que a empreiteira portuguesa Mota-Engil viu facilitada a sua entrada no mercado do Ruanda. “Tem boas relações em Kigali”, explica um diplomata africano. Mas também tem as portas abertas em Nairóbi, onde é visto com deferência pelo Presidente Uru Kenyatta, assim como tem assento privilegiado ao lado de influentes figuras do poder no Uganda.

 

Se Singapura é a cidade para onde se desloca regularmente para fazer exames médicos, não esconde a sua paixão pelo modelo e a pujança do mercado informal de Hong Kong, que gostaria de ver replicado em Angola.


O seu currículo regista conversações históricas com Rex Tillerson, o homem que tendo sido até há bem pouco tempo secretário de Estado de Trump, negociou a entrada da Exxon em Angola. Vicente “teve também encontros importantes com Joseph Bryant, presidente da BP; uma relação de grande cumplicidade com Gabriel Volpi, o italiano que impulsionou a criação da base logística da Sonils, e era próximo do falecido velho Amorim na Galp”, assegura um antigo administrador da Sonangol.


Tratando “por tu” o nigeriano Aliko Dangote, o homem mais rico de África, Manuel Vicente reparte hoje a sua vida entre o Parlamento, o gabinete de ex-vice-presidente da República e uma fazenda nos arredores de Luanda.

 

Homem do mundo, passando uma boa parte do tempo no estrangeiro, goza ainda de três anos de imunidade antes de o Supremo Tribunal se pronunciar em definitivo sobre o desfecho da chamada “Operação Fizz”, espoletada pela Justiça portuguesa.


Parceiro de Manuel Vicente em vários negócios, “Kopelipa”, que passou à reforma após ter chefiado, durante vários anos a Casa Militar do ex-presidente, é agora a imagem de alguém perfeitamente adaptado ao ADN de João Lourenço. Revelando o espírito de colaboração para com as autoridades judiciais, teve um papel-chave no desbloqueamento do impasse gerado em torno da gestão do Terminal II do Porto de Luanda, sob o domínio até ao mês passado do empresário José Mário Cordeiro.


“Tem sido, até aqui, irrepreensível a colaborar connosco sempre que precisamos de esclarecer dúvidas sobre a origem dos seus fundos”, disse ao Expresso fonte da Procuradoria-Geral da República.


Desligado da alta política e com negócios em Portugal, onde é dono de uma propriedade de vinhos que vende à rede de supermercados Pingo Doce, longe de baixar os braços, este acionista de referência do Banco BIG estuda agora novas oportunidades para “criar mais empregos e reproduzir internamente riqueza”.


Sem a altivez dos tempos em que um simples telefonema punha em sentido muitos ministros, Leopoldino do Nascimento, o mais jovem membro do “trio de ataque”, é aquele que mais ousadamente dá o peito às balas na defesa do seu colossal império empresarial.


Um dos rostos da Puma Angola, que intermedeia há anos junto da multinacional suíça Trafigura o fornecimento de petróleo refinado a Angola, continua a ser também a voz mais ativa da rede de supermercados Kero e o principal patrão do grupo de comunicação Media Nova, detentor do canal de televisão Zimbo, Rádio Mais e o jornal “O País”.


Coerente com o juramento feito a Eduardo dos Santos, este antigo general continua a ser o mais fiel dos antigos servidores do ex-presidente. Presente no último encontro privado que este manteve com João Lourenço, faz parte do restrito staff que neste momento o acompanha em Barcelona, onde o ex- -presidente tem as despesas todas pagas pelo Estado, desfrutando ainda de ajudas de custo no valor de 300 mil dólares (€275 mil).


Firme na estrutura acionista do Banco Económico, através da Geni, o general Dino é tido como o apoiante de peso na luta que Isabel dos Santos trava contra a Sonangol e a OI pelo controlo da Unitel.

Depois de ter estado ao serviço de José Eduardo dos Santos como decano dos seus colaboradores e já com um pé no Parlamento, onde se sentiu deslocado, Aldemiro Vaz da Conceição, o eterno porta-voz, que jurara abandonar a vida pública com a entrada em funções de um novo Presidente, acabou por manter-se agarrado às portas do fundo do Palácio. Fazendo escola como venenoso especialista na arte da contrainformação, durante muitos anos, comportou-se como o “anjo da guarda” dos filhos do antigo Presidente.

Ao ter deixado de fazer parte das contas de João Lourenço, com 70 anos, preferiu sujeitar-se a ser empurrado para o GAPI — Gabinete de Ação Psicológica e Informação a abraçar o caminho da reforma. “Não consegue viver sem o cheiro do altar do poder, mas não percebe que permanecendo por lá, cria uma situação embaraçosa até ao próprio Presidente”, conta uma fonte do Palácio.

Integrante da equipa dos antigos assessores do ex-presidente, Rui Ferreira, encarna o paradoxo de ter sido indicado por João Lourenço para presidente do Supremo Tribunal ao mesmo tempo que é visto como o principal advogado do antigo clã presidencial. No plano político, a elaboração da norma que determinou a suspensão do princípio da fiscalização dos atos do Governo pelo Parlamento é tida como um dos favores retribuídos a Eduardo dos Santos.


A sua fidelidade ao clã Dos Santos, segundo fonte da PGR, foi também notória quando, sem ter tido acesso ao processo, quis mandar anular a prisão preventiva que recaía sobre “Zenú”, alegando irregularidades.


Com a imagem danificada por estar envolvido em práticas tidas como atentatórias da ética e da dignidade do exercício da magistratura — para uma fonte da direção do MPLA — “é demasiado ambicioso e nunca escondeu a propensão para fazer jogo duplo”.


Remetido ao silêncio em Barcelona, onde, numa atmosfera familiar aparentemente tranquila, passa o tempo a jogar às cartas com os netos, a solidão de José Eduardo dos Santos tem sido sacudida nas redes sociais por ruidosos ataques das filhas mais velhas à governação do seu sucessor.



Mas, se no plano empresarial, Isabel dos Santos não para de fazer crescer a rede de supermercados Candando, já a irmã, Tchizé dos Santos, continua a investir na comunicação social, dirigindo, mesmo à distância, o Canal Viva, que embora continue a gravar conteúdos em Angola, tem agora assento também em Moçambique, onde reside e trabalha o atual diretor-geral, o português Carlos de Oliveira.


Apesar de “recolhidos às boxes”, os mais in- fluentes membros da sua família assim como alguns dos antigos servidores do antigo Presidente continuam a ser detentores de muito dinheiro e de uma rede de influência poderosa.


Saber lidar com esse poder é o grande desafio de João Lourenço que, tendo feito parte do círculo de José Eduardo dos Santos, ao ter prometido impor-se como um novo Deng Xiaoping, se não se munir urgentemente de antiderrapantes, corre o risco de vir a ser engolido, como Gorbatch.