Exmo. Senhor Procurador-Geral da República,

Assunto: Factos notórios e públicos sobre José Lima Massano, governador do Banco Nacional de Angola (BNA), exigem investigação judiciária.

 

Fonte:  Luaty Beirão

 

Exemplo perfeito de astronómica sobrefacturação inexplicada

Furtar-me-ei ao exercício supérfluo de repetir as palavras que o senhor Presidente da República, bem como V. Exa, têm proferido sobre o fim das impunidades, o combate à corrupção e a recuperação de valores para o tesouro nacional. Felizmente, essas palavras fazem parte do acervo legal e social actualmente adquirido em Angola.

 

Dispensando, por isso, qualquer introdução, cingir-me-ei aos factos que têm vindo a público acerca das actuações do governador do Banco Nacional de Angola (BNA), José Lima Massano, e que devem suscitar uma investigação criminal aturada por parte do Ministério Público. Serve esta carta, também, como denúncia e participação formal desses factos às autoridades.

 

Permita-me, portanto, solicitar a atenção de V. Exa para três conjuntos de factos.

 

Em primeiro lugar, os comportamentos prejudiciais para o tesouro público e do interesse nacional no processo relativo ao Banco Espírito Santo de Angola (BESA), hoje Banco Económico (BE). Nesta situação, duas práticas continuadas por parte de Lima Massano foram tornadas públicas sem que tivessem sido desmentidas: a ativa comparticipação nos planos gizados por Manuel Vicente, Leopoldino do Nascimento (Dino) e Manuel Vieira Dias Júnior (Kopelipa) para tomar conta da referida instituição bancária, e também a injecção inexplicada de montantes milionários de dinheiro público no banco, sem objectivos perceptíveis e contrapartidas claras.

 

De facto, em 2014, o BNA injectou mais de dois mil milhões de dólares no sucedâneo BE, através de uma operação de redesconto. Esse dinheiro pura e simplesmente esfumou-se. Nunca foi dada qualquer explicação pública sobre os mais de dois mil milhões de dólares que o Estado, através do BNA, empregou no BE. Esse dinheiro, concedido como um aprovisionamento temporário, nunca foi devolvido. Os auditores do BNA pediram explicações sobre esse valor, ao que a liderança de José de Lima Massano reagiu através da constituição do referido montante em reserva. Isto aconteceu no primeiro mandato de Lima Massano como governador do BNA.

 

No seu segundo mandato no governo do BNA, Lima Massano vendeu mais de cinco mil milhões de dólares à banca privada e a empresas com atrasados para operações cambiais. Deste valor, o BESA/BE recebeu, sozinho, 20 por cento: mais de mil milhões de dólares. Por uma questão de transparência, é fundamental que a opinião pública saiba para que empresas serviram essas operações cambiais. Quem foram os beneficiários?

 

Estes variados factos demonstram um comportamento de favorecimento do antigo triunvirato presidencial (Vicente, Kopelipa, Dino) por parte de Lima Massano, utilizando dinheiros públicos e prejudicando o interesse nacional, uma vez que uma das consequências das aparentes manipulações da banca por Lima Massano a favor do triunvirato foi a retirada de correspondência bancária ao BNA pelo Banco Central Europeu. E, assim sendo, é exigível uma investigação cabal por parte da PGR.

 

Em segundo lugar, existem os elementos referentes ao Museu da Moeda, também amplamente denunciados pela página Maka Angola, sem que aparentemente tivesse provocado qualquer tipo de reação.

 

Este museu, aquando da sua projecção, em 2012, tinha um custo previsto de pouco mais de dez milhões de dólares. Acabou por custar mais 54,5 milhões de dólares, aos quais se somam ainda mais de 16,2 milhões de dólares em apetrechos. Lima Massano, enquanto governador do BNA, mais uma vez, teve um papel determinante neste aumento gritante de custos.

 

Em 12 de Julho de 2012, o então e atual governador do BNA assina um contrato com a empresa FCL.AO – Arquitectos Associados S.A. para a elaboração do projecto arquitectónico de construção do museu. A FCL.AO cobra 460 mil dólares de honorários, equivalentes a 4,5 por cento do valor estimado da obra: dez milhões e 195 mil dólares. Inicialmente, o projecto define a área bruta de construção em 2615 metros quadrados.

 

Em 23 de Março de 2013, Lima Massano lança oficialmente a primeira pedra para a construção do museu. Primeiro a pedra, depois o contrato.

 

Passadas três semanas, a 11 de Abril de 2013, o governador assina o contrato de construção do museu com o consórcio formado pelas empresas Griner, Somague e Tecnasol. Nessa altura, o valor da obra é de 1 383 899 205 kwanzas (equivalente a 14,4 milhões de dólares, ao câmbio oficial do dia), para “escavação, contenção periférica e fundações” do museu.

 

Estranhamente, depois da assinatura do contrato, o projecto inicial sofre a alteração da área bruta de construção para 4350 metros quadrados, uma extensão de 66,35 por cento. Com esta extensão de terreno, em finais de 2013, o valor do projecto dispara para 28 milhões de dólares.

 

A 14 de Abril de 2014, Lima Massano, de novo, assina mais um contrato “de construção do edifício do Museu da Moeda – estrutura e especialidade”. Fá-lo com a Griner e a Somague, representadas respectivamente por Francisco Dantas Pinto e Luís da Silva Gonçalves. Desta feita, o contrato é para “a realização de estrutura e acabamentos”, no valor de 1 335 671 969 kwanzas (equivalente a 13,6 milhões de dólares, ao câmbio oficial do dia). É a terceira fase.


Finalmente, ainda na gestão de Lima Massano, temos a quarta fase. O contrato para a quarta fase de construção deste extraordinário museu é assinado a 4 de Novembro de 2014. É a fase designada por “arquitectura e acabamentos”, com um valor 1 675 901 310 kwanzas (equivalente a 16,7 milhões de dólares, ao câmbio oficial do dia).

 

Estamos aqui perante um exemplo perfeito de astronómica sobrefacturação inexplicada de trabalhos, o qual urge investigar.

 

Todos estes factos indiciam ações extremamente suspeitas e exigem que o Ministério Público, superiormente dirigido pelo procurador-geral, inicie de imediato uma investigação criminal. Não se trata aqui de fazer juízos prévios, apenas de factos documentados que carecem de esclarecimento, a bem da justiça que desejamos ver a funcionar para todos, sem distinções.


Assim seja!

Luaty Beirão

[Dados Pessoais Omitidos]

Luanda, 5 de Novembro de 2019