Luanda - Antigo PGR e sócios protagonizaram «façanha golpista» que chegou a envolver a falsificação de um documento apresentado em tribunal para «ocultar» o seu nome numa sociedade comercial. Em 2006, poucos anos depois de se ter alcançado a paz em Angola, o Segundo Cartório Notarial da Comarca de Luanda, na altura a cargo de Maria da Conceição Lourenço Ascensão de Jesus Pataca, certificava, em livro de notas para escrituras diversas n.o 164-B, a constituição da sociedade comercial Construtel – Construções e Telecomunicações, em que eram sócios João Raimundo Belchior, João Maria Moreira de Sousa [à data dos factos procurador-geral militar], Carlos João e Abreu Tadeu. [III Série do Diário da República, n.o 146, de 4 de Dezembro de 2006].

Fonte: Novo Jornal

A referida sociedade adoptou como objecto social a construção civil e obras públicas, telecomunicações, serviços de segurança privada, transportes públicos e camionagem, logística, comércio geral, a grosso e retalho, entre outras, “podendo dedicar-se a qualquer outra actividade, desde que os sócios acordem e sejam permitidos por lei”.


O seu capital inicial foi de 200 mil kwanzas, integralmente realizado em dinheiro e dividido e representado por quatro quotas, sendo três no valor nominal de 60 mil kwanzas, pertencentes aos sócios João Raimundo Belchior, João Maria Moreira de Sousa e Carlos João e uma outra no valor nominal de 20 mil kwanzas, perfazendo um valor de 30% para os três e 10% do quarto sócio.


A actividade comercial da empresa teve início efectivo no ano de 2008, tendo antes esta passado por um período de negociações de contratos com as entidades voltadas para o seu core business, que era o sector da construção e telecomunicações. Foi assim que, em 2008, a Construtel – Construções e Telecomunicações firma um contrato com a operadora Unitel, para a prestação de serviços de reengenharia de portais, mais concretamente a manutenção dos sites [espaços onde a operadora tem fixadas as antenas].


Ao mesmo tempo passam também a fornecer equipamentos de telecomunicações, de rádio e transmissão, e também a construção dos próprios sites, ou seja, dos tais espaços que acolhem as antenas dos sócios. Entretanto, a 1 de Dezembro de 2008, o Cartório Notarial do Guiché Único da Empresa de Luanda, a cargo da notária Maria Isabel Fernandes Tormenta, certifica no livro de notas diversas n.o 93 a constituição de uma outra sociedade comercial em que foram sócios: primeiro, João Raimundo Belchior, que se apresenta em seu nome próprio e, segundo a III Série de Diário da República, mandatado pela Construtel – Construções e Telecomunicação.

 

O segundo sócio da sociedade comercial Construtel – Serviços, Limitada — foi esta a designação adoptada pelos sócios — é João Maria Moreira de Sousa, e tinha como objecto social, entre as outras várias actividades, compra e venda de imobiliários, assessoria jurídica e consultoria. O capital social da empresa foi de 75 mil kwanzas e ficou assim distribuído entre os sócios: 30 mil kwanzas pertencentes à Construtel – Construções e Telecomunicações, Limitada, e duas quotas iguais no valor de AKZ 22.500,00 cada uma, pertencentes aos sócios João Maria Moreira de Sousa e João Raimundo Belchior, respectivamente. [III Série do Diário da República, n.o 12, de 20 de Janeiro de 2009]. Entretanto, foi o objecto social «assessoria jurídica e consultoria» que chamou a atenção do jornalista Rafael Marques, que denunciou o caso no seu portal Maka Angola, o que lhe veio a custar um processo-crime movido pelo então procurador-geral da República João Maria de Sousa.


Na sequência deste facto, os outros dois sócios, Tadeu Abreu e Carlos João, fizeram-se em campo, no sentido de perceberem como tinha sido possível criar-se uma outra empresa em que uma das accionistas era a Construtel – Construções e Telecomunicações, sem que isso tivesse ficado lavrado em acta de assembleia geral. Facto é que, depois da denúncia de Rafael Marques, criou-se um clima de suspeições que deixou os sócios da Construtel – Construções e Telecomunicações de costas voltadas, uma vez que um dos sócios entendia ter havido violação no pacto societário.


As notas de realce, ainda com base nos dados que estão disponíveis em Diário da República, as duas empresas, Construtel – Construções e Telecomunicações, Limitada e Construtel–Serviços, Limitadas, além da fácil confusão que os dois nomes possam gerar, tinham o mesmo endereço: Província de Luanda, Rua Pelourinho, n.o 20, 1.o Andar, 12, Bairro dos Coqueiros. Uma outra nota que saltou à vista dos dois sócios deixados de parte foi o facto de se registar na altura a “transferência de posições activas, ou seja, a transacção monetária da primeira em direcção à segunda e nunca o contrário.


A alegação era a de que a primeira “não tinha estrutura para cumprimento dos serviços”. Entretanto, uma reviravolta vai alterar drasticamente a correcção de forças entre os sócios «contendores».


MUDANÇA DE PLANOS
Sócio muda de posição e «baralha contenda»

O sócio Abreu Tadeu, que num primeiro momento estava ao lado do sócio Carlos João, juntou-se aos outros dois, uma vez que João Belchior e João Maria de Sousa não conseguiam aprovar nada ao nível da Construtel- –Construções e Telecomunicações por deterem apenas 30% dos activos da empresa cada. Abreu Tadeu, que passou a actuar em representação de João Maria de Sousa em pelo menos duas assembleias gerais, votou a favor da cessão das quotas que tinha a Construtel- –Construtel–Construções e Telecomunicações nos activos da Construtel – Serviços, tendo sido o sócio Carlos João o único a votar contra, o que não impediu a sua aprovação.

A «prenda» do tribunal
Ex-PGR e sócios forjaram certidão para ocultar titularidade


Documento que consta dos autos contraria documento oficial publicado em Diário da República, que aponta que João Maria de Sousa é sócio e que não foi representado pelo filho. O julgamento que opôs o jornalista Rafael Marques ao ex-PGR, por conta da matéria sobre a constituição da Construtel – Serviços e o seu objecto social, o de prestação de assessoria jurídica e consultoria, ajudou a «montanha a parir um rato».


Porquê? Por ter sido apresentado em julgamento uma certidão da empresa que entra em conflito com o Diário da República, no qual consta o estatuto da sociedade comercial. E mais: a certidão apresenta vários indícios de falsificação e um dos mais evidentes é o facto de em 27 de Outubro de 2006 se ter constituído a empresa, com os quatro sócios, incluindo João Maria Moreira de Sousa, e, como sócio, e na certidão que chegou a tribunal, este último sócio ter sido representado pelo filho: Tchino Valódia Silva Sousa.


Os indícios de falsificação da certidão não ficam por aí: de acordo com a III Série do Diário da República, n.o 146, de 4 de Dezembro de 2006, eram sócios, em 2006, João Belchior, João Maria de Sousa, Abreu Tadeu e Carlos João. Contudo, na certidão, que também constitui uma das peças do processo cível que corre trâmite em tribunal, ela não apresenta o nome de João Maria de Sousa — que é representado pelo filho —, tem a data de constituição, não 27 de Outubro de 2006, como consta do referido Diário da República, mas 26 de Janeiro de 2011.


Entretanto, a cópia do Estatuto da Sociedade Construções – Construções e Telecomunicações, Lda., que foi assinada em 2006, aparece assinada por todos os membros, incluindo João Maria de Sousa, e não o filho Tchino Valódia Silva Sousa. No contacto que este jornal tentou estabelecer com as partes envolvidas, ficou o registo de Abreu Tadeu, que negou que João Maria de Sousa tivesse feito parte da constituição da empresa em 2006, mas sim o filho deste.


Outra nota que gera alguma estranheza é que a mesma certidão que admite Tchino Valódia Silva Sousa não faz constar nem o seu nome, nem a sua assinatura no fim do documento, apesar de a notária Visitação de Fátima Simões Xavier Belo Andrade ter feito constar a seguinte citação: “Em voz alta, e na presença de todos, fiz a leitura desta escritura, a explicação do seu conteúdo e a advertência de que este acto, deve ser registado dentro noventa dias. Assinaturas: João Belchior, Carlos João e Abreu Tadeu”. Ou seja, nem João Maria de Sousa, nem o filho assinam a certidão, contrariando os dados que ficaram registados em Diário da República.


João Belchior, o antigo sócio-gerente da Construtel – Construções e Telecomunicações admitiu, em conversa com o Novo Jornal, ter sido João Maria Moreira de Sousa parte dos sócios em 2006, informação que Abreu Tabeu nega, apontando João Belchior como o melhor interlocutor para melhor esclarecimento do caso. Belchior mostrou-se, no entanto, à vontade com a publicação da matéria, dizendo-se tranquilo com o dossier.


O aviso do gerente
«Não tem ninguém na tua família que me pode prender»

Na realidade, a frase correcta seria: “Na tua família não tem ninguém que me consiga prender”, e a sua autoria é atribuída ao ex-sócio-gerente da empresa Construtel – Construções e Telecomunicações, em resposta aos processos que foram movidos contra si.


Uma queixa-crime foi, em 2014, apresentada à então Direcção Nacional de Investigação Criminal (DNIC), tendo esta ido parar às mãos do procurador Domingos Baxi, que afirmou não ter encontrado elementos suficientes de prova, solicitando mais provas. O mesmo processo acabou arquivado.


O processo, de acordo com a queixa- -crime que foi enviada à ex-DNIC, deveu-se ao facto de o Cartório Notarial do Guiché Único da Empresa não ter nenhuma acta societária arquivada em nome da sociedade comercial Construtel – Construções e Telecomunicações, nem ter sido passada uma procuração a João Belchior que lhe permitisse representar a mesma sociedade em nome dos outros sócios.


Alega o queixoso, Carlos João, que ao participado (João Belchior) tinha sido atribuído os poderes de gestão e administração da sociedade para a prossecução do seu objecto social, e não representar a sociedade em actos especiais, como escrituras públicas de constituição de outras sociedades, tal como aconteceu quando este criou, com João Maria de Sousa, a Construtel - Serviços, Lda.


O queixoso disse a este jornal que João Belchior disse repetidas vezes que “ninguém o conseguiria prender”. Ninguém, referia-se, na verdade, aos familiares do queixoso. O que queixoso afirma ter ocorrido em várias ocasiões.


Acção judicial
Processo de empresa de ex-PGR continua engavetado


Em 2016, a parte que se diz lesada da Construtel – Construções e Telecomunicações voltou a dar continuidade a um novo processo-crime, já que em 2016 se deu uma

amnistia, o que levou que se optasse por um processo cível. O processo, na posse da juíza Iracelma Nayol Azevedo — aprovada no concurso que se realizou recentemente para juízes da relação —, chegou ao tribunal naquele mesmo ano, mas desde então foram produzidos apenas dois despachos judiciais.


Contudo, uma primeira reclamação apresentada junto da Sala do Cível e Administrativo do Tribunal Provincial de Luanda não obteve nenhuma resposta, o que incomodou o advogado do queixoso, tendo este feito uma segunda reclamação em que já se queixa da “excessiva lentidão processual”.


“O reclamante não pode deixar de manifestar extrema lentidão como os actos processuais são praticados nos autos. Com efeito, para além do despacho de citação proferido em 2016 e cumprido pelo cartório em Dezembro do mesmo ano, o único despacho relevante proferido sobre a causa e notificado ao reclamante data de 22 de Dezembro de 2017.


Em dois anos de pendência, foram produzidos apenas dois despachos judiciais externos (citação e desentranhamento), o que é em si demonstrativo da excessiva lentidão processual”, pode ler-se na reclamação assinada pelo advogado Hernâni Cândido. Segundo o advogado do queixoso, com o despacho de 22 de Dezembro de 2017, foi ordenado o desentranhamento dos articulados apresentados pelas partes após a contestação, tendo em conta que o processo de inquérito judicial compreende apenas dois articulados. E reclama o facto de “há onze meses que o processo não merece o mais leve despacho”.


“Uma decisão, para ser justa e produzir os efeitos restauradores da ordem jurídica violada e do direito que se pretende amparar, com recurso aos tribunais, deve ser célere, pelo que, havendo nos autos todos os elementos suficientes para a tomada de uma decisão conscienciosa, não se vislumbram razões para o sobrestar na decisão por tempo excessivo, com grandes prejuízo para o autor”, lê-se.


Porém, em Julho deste ano, o Tribunal Supremo respondeu à segunda reclamação da parte queixosa, admitindo ter admoestado a juíza que conduz o processo, tendo assinalado que o mesmo [processo] voltou às mãos da mesma juíza [Iracelma Nayol Azevedo].


Nos argumentos, a defesa da parte queixosa refere que, após a assembleia geral que ditou a cessão das quotas da sociedade comercial Construtel – Construções e Telecomunicações, Lda., na Construtel – Serviços, não tendo sido apresentado o processo da referida cessão de quotas, a entidade cessionária e o apuramento do valor económico e comercial da quota, calculada em função da situação patrimonial e financeira da Construtel – Serviços, Lda.


“Dúvidas não restam que o gerente João Raimundo Belchior, apoderando-se de dinheiro, clientela, carteira de clientes e património da Construtel – Construções e Telecomunicações, Lda. criou a Construtel – Serviços, Lda., onde a primeira detinha 46,6% do capital, mas posteriormente fez aprovar em assembleia geral a cessão dos

mesmos 46,6% a uma entidade desconhecida, a um preço igual desconhecido, e com condições de pagamento também desconhecidas”, argumenta a queixa.


Na contestação, o advogado da Construtel – Serviços, Lda. afirma que a lesada “sempre acreditou que a facturação corresponde ao lucro, que ao longo dos anos não percebeu e nem percebe que a requerida Construtel – Construções e Telecomunicações, Lda. perdeu competitividade, perdeu clientes e tinha despesas para cobrir”, afirma, para justificar a cessão de quotas.


Contraproposta:
João Belchior tentou um «acordo de desistência da acção»

O ex-sócio-gerente da Construtel – Construções e Telecomunicações tentou, através de um «acordo de desistência de acção», sem data, demover o andamento do processo cível, propondo que a condição para que estes pudessem encetar um diálogo de entendimento era que fosse retirada a queixa apresentada ao tribunal.


O draft do acordo propunha o seguinte entendimento:

Cláusula 1 (O presente acordo tem como objecto a desistência, pelo sócio, da acção, sob n.o [...] a correr trâmites na Secção da sala do Cível e Administrativo do Tribunal Provincial de Luanda; Cláusula 3 (1. As partes declaram não terem interesse algum em pleitear judicialmente contra a outra;

2. Mas declara o sócio que renuncia, em reservas, ao direito de intentar quaisquer outras acções contra a sociedade independentemente da sua natureza, formas de processo e valor;

3. A sociedade declara aceitar, e sem reservas, o disposto nos números anteriores); Cláusula 4 (As partes declaram, mediante assinatura do acordo, que a este é conferido o valor e força de título executivo, nos termos da alínea C do artigo 46.o conjugado com artigo 51.o, ambos do Código de Processo Civil);


Cláusula 5 (As partes obrigam-se a manter confidencialidade sobre o acordo, bem como sobre quaisquer dados informações ou documentos que a este digam respeito [...]). O referido acordo não chegou sequer a ser discutido já que, para o queixoso, a proposta constituía um insulto, dado o que se investiu e a primeira empresa obteve de lucros.

Para semana, um NJ traz um novo capítulo sobre assunto.

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