Luanda - Com a sua inabalável fé em Deus, o Pai Natal sempre nos habituou à sua tradicional generosidade. Quando menos esperamos, abandona o seu casulo e, de braços abertos, vem ao nosso encontro para nos oferecer um sapatinho recheado de prendas maravilhosas.

Fonte: NJ

Foi essa fortuna que condecorou com medalha de reconhecimento “extraordinário”

Não se importa, por isso, de nos envolver num amplexo caloroso para nos confortar com a riqueza sem preço da sua espiritualidade.

 

A sua solidariedade marca presença, deste modo, tanto junto de doentes hospitalizados, como de soldados na frente militar ou de reclusos nas diversas penitenciários do país, sem esquecer ainda aqueles que são apanhados no turbilhão de viagens no alto mar ou em terra maltratada.

 

Quando mal disposto, porém, o Pai Natal não está para meias medidas! Irritado, não se importa de mandar servir a frio a última ceia no último dia do ano. Nestes casos, o desconsolo é total. No nosso caso, foi arrasador!

 

Como aconteceu à entrada deste novo ano quando, agastado, foi bater à porta do divino casal, que, nos últimos vinte anos, passou a apresentar-se aos “Óscares” russo-congoleses como herdeiro natural do património nacional…

 

Património que, se calhar, começou a ser construído ainda ao tempo em que – logo após longo, penoso e dramático luto nacional, o país, parecendo ter a escrita em dia, passou então a ser liderado por um “guarda-livros” rigoroso, disciplinado e exemplar.

 

Com o andar do tempo, porém, à medida que as garras se iam afiando, a espécie foi ganhando o gosto pelo galinheiro e com o cofre no colo, passou a ser-lhe familiar controlar o “vai-e-vem” do “elevador”.

 

Na posse das chaves, com a vestimenta de Luís XIV, começou então a implantar por aqui como sua principal fonte de maquiavélica inspiração esta “relíquia” política: “l ́état c ́est moi”!

 

À espreita, a matilha, faminta, não tardou a fazer-se ao bife, liderada por uma velha raposa astuta que, no vazio de uma solidão insondável, passava incólume pelos pingos da chuva como um (falso) cordeiro…

 

Sem pagar água, luz e renda de casa e sem hábitos de educação, ao almoço a fauna passou a sentar-se à mesa a horas desencontradas e apenas para fazer contas de subtrair ao Estado.

 

Quatro décadas depois, deixamos de conjugar o verbo “ser”, passamos a entoar o verbo “ter” e a idolatrar gente insaciável que se converteu na nossa tribo de depredadores endinheirados.

 

Dominados por essa esquizofrénica tribo, não demos conta, mas, a partir daí, nunca mais conseguimos pôr a funcionar o nosso “elevador”.

 

Do outro lado da rua, porém, para segurança de requintada clientela, fora encomendado um “elevador” à prova de bala com chave digital e acesso codificado.

 

Borrifada com naftalina, incenso e mirra, só uma galáxia de utentes especiais tinha acesso aos seus misteriosos códigos estimulada por este “atraente e democrático” convite: “reservado o direito de admissão”….

Tudo esclarecido, beneficiando sempre de assistência técnica eficaz de especialistas vindos do estrangeiro, “o elevador” do bando transportava “direitos adquiridos” para que restrita clique, e mais ninguém, passasse a ter assento à mesa de opíparo banquete.

 

Bem regada, a festança passou a ser presidida por um incontestado e infalível arquitecto que, há quarenta anos, por marxista divindade, passou a ter cativo no topo da mesa etéreo assento.

 

Aproveitando-se da confiança dos depositantes, o matreiro tesoureiro-chefe que nos saiu na rifa, quandomenos esperávamos, não só já se havia locupletado com o dinheiro alheio, como o colocara ao serviço de orgias financeiras sem fim do “jardim infantil” lá de casa…

 

Na bancada, a manada, embriagada, não deixava de delirar com a pose alucinante do nosso “Major Bentes”, vergado às pepitas de ouro herdadas se calhar do pai e da mãe…

 

Prestes a atingir a canonização, ao deixar de “fazer jus à serena beatitude do apelido”, o maestro da orquestra, como lhe chamou folclórico súbdito, passou a promover “a osmose da banca de crédito com a banca especulativa”, a deleitar-se com aventuras de “noites sem amor entre a economia e as finanças” e a afagar, com requinte criminoso, a criação, proliferação e oferta de “elefantes brancos” a herdeiros de vários escalões.

O desfile destas loucuras erguer-se-ia como a almofada das golpadas do séquito familiar e da clique auxiliar, que acabaram por conduzir o país para um estágio que não precisa de um génio para a tradução: bancarrota.

Foram anos de farto entretenimento financeiro em que, replicadas e distribuídas as chaves do “mealheiro” por diversas mãos de ociosa cadeia alimentar, a Sonangol acabou por se transformar no “chupa-chupa” predilecto de oligárquica creche assim como da sua legião de “Reis Magos”.

Foram anos em que, expondo ambulante exibição de arrogância como concessionária, quatro décadas depois da sua constituição, com uma prestação que não passa dos míseros 1,1% de toda a produção de crude gerada em Angola, aquele “gigante com pés de barro”, não conseguiu afirmar-se como uma verdadeira companhia petrolífera…

Foram anos em que, como então muito bem escreveu a (falecida) jornalista francesa Christine Messiant, se “até o passado em Angola era imprevisível”, o célebre livro “Ces Messieurs Afrique”, de autoria do escritor e jornalista norte-americano Stephen Smith e do jornalista francês Antoine Glaser, encarregar-se-ia de desmontar os meandros da teia de “cumplicidades, segredos, rivalidades e escândalos de alta corrupção” que, na década de oitenta, envolveu a ELF e alguns altos líderes africanos de países produtores de petróleo, incluindo o nosso inefável patrono…

 

Foram anos em que, em pleno naufrágio, a seita dominante, vivendo uma realidade que se confundia com a fantasia e, com a mentira agrafada aos dentes da boca e colada à pele, fazia triunfar, em toda a linha, um poder nojento, néscio e autodestrutivo.

Foram anos em que, desde muito cedo, o “elevador”no mundo dos petróleos também deixou de funcionar mas, o “vai e vem” do “saco azul” no seu submundo, nunca deixou de satisfazer os apetites vorazes da matilha.

E satisfazia na quadra natalícia tão bem, que o consumo do “ópio da elite” – os cabazes – carregado de “gorduras” que eram depois distribuídas por várias bocas da alcateia, num ano chegou a ultrapassar largamente a “módica” quantia dos 20 milhões de dólares!

 

Mas, por detrás daquele “elevador”, nunca deixou de desfilar, imponente e imune, a “sacrificada” fortuna da “Alice no país das Maravilhas”.

 

Arrancada, se calhar, “com muito trabalho, suor e lágrimas”, é essa fortuna, “heróica e generosa”, que está a estimular a autovitimização de fino rebanho, como se a coreografia do saque não tivesse paternidade, nome próprio, naturalidade, endereço e número de telefone…

 

É essa fortuna que, atropelando princípios, não permite aos seus proprietários ler o que escreveu no Expresso o Pedro Santos Guerreiro: “Antes usavam a lei do mais forte, agora são vítimas sim mas do mais forte da lei: os poderes dos tribunais”. É uma questão de fé. E de hábito. De estranhar primeiro. Para, depois, entranhar…

 

Foi essa fortuna que condecorou com medalha de reconhecimento “extraordinário” o desempenho de uma gestora que, sem nunca ter participado em concurso público algum, se aboletou de chorudos negócios graciosamente obtidos por via da sagrada assinatura familiar.

 

Foi com essa fortuna que, refugiada no biombo de um auto-flagelo medonho, depois de ter arquitectado a manipulação de uma entrevista dada ao “Obserador”, a actriz principal da comédia se está a revelar irrelevante, banal, trapalhona e fútil. É essa fortuna que fez cair a máscara da “excelência” incorporada no portfólio de uma empresária que, vítima de estranho ataque de amnésia, se permite a não ter noção dos valores dos impostos que (não) paga ao Estado. Como ela se auto-qualifica, sem dúvida, “extraordinário”!

 

E é com esta fortuna que, dois anos depois de termos recebido os primeiros resultados da avaliação psiquiátrica da nossa aterradora experiência em torno da “Acumulação Primitiva do Capital”, com recurso à navegação à vista, o “Criador” assiste agora, à distância, ao desmoronar das rasteiras de um destino tão mal maquilhado, que estamos a pagar como herança a preço de luxo, um ruinoso elevador em segunda mão…

 

É com esta fortuna que, quatro décadas depois, perdido o controlo das chaves e sem pulso sobre o rebanho, “Rei Sol” acompanha os momentos de “Pilatos” dos seus antigos corsários e que, vítima das fintas que fez à sua própria sombra, traído por aqueles, esmurra a cabeça contra paredes espanholas…

 

É com essa fortuna que, no afã de descascar a Sonangol para apanhar o rasto do crime e dos criminosos que a encardiram por completo, a sua emérita herdeira, corre também o risco de ver reduzida a pele e osso as suas traquinices financeiras e, ao abrir a última porta do túnel, deparar-se com a figura do pai sentado na poltrona “real” da principal chocadeira da corrupção em Angola…

 

É ainda com esta fortuna que ficamos a saber que, para um dos mais vorazes produtos da nossa cleptocracia, do alto da torre de marfim e não olhando a meios para atingir os fins, a droga do dinheiro, afinal, berra mais alto que a relação de consanguinidade com os irmãos.