Luanda - A Defesa Nacional é uma matéria bastante complexa e sensível, difícil de conceber e torna-la eficaz, sobretudo na era actual da globalização do mundo. Pois, o mundo de ontem não é o mundo de hoje. A Doutrina Militar de ontem, do pós-guerra mundial II, não se ajusta bem ao mundo contemporâneo, no qual todos os sectores da vida pública e privada estão influenciados pelos factores da globalização. A «interdependência» dos Estados, na sua articulação na cena internacional, está vinculada ao Direito Internacional e ao Sistema das Nações Unidas, que envolve um conjunto de Organizações Internacionais nos domínios das relações bilaterais e multilaterais, na diplomacia, na segurança mundial, no comércio, no sistema bancário, no sistema monetário, na educação, na saúde, na cultura, na ciência, na tecnologia, no mercado de trabalho, no sistema marítimo e aéreo, na informação, nas telecomunicações, etc.

Fonte: Club-k.net

Todos os Estados (não obstante sua grandeza) estão inseridos neste sistema globalizante, assente nas Convenções e nos Tratados Internacionais, aos quais todos os Estados são sujeitos, e cada Estado membro busca defender, potenciar e salvaguardar os seus interesses vitais. Pois que, o Direito Interno vincula-se ao Direito Internacional e este último exerce a supremacia e tem o carácter obrigatório ao abrigo do Artigo 53o da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, à luz do princípio de «júris cogens». Na prática o mundo tornou-se uma pequena aldeia na qual os seus membros são conhecidos por todos e cada pessoa da aldeia sabe o que passa na casa do seu vizinho, e são unidos por sangue, costume e tradição, consubstanciados no direito consuetudinário. O que significa que, a natureza dos Estados actuais é análoga, com a excepção de alguns aspectos específicos e distintos, de carácter sociológico ou da antropologia-cultural.


Por isso, neste mundo globalizado o conceito do poder e da soberania não pode ser o mesmo como o do passado, do pós-guerra-fria. Hoje, o poder e a soberania não são absolutos, são partilhados, exercidos por várias entidades, quer do Direito Interno quer do Direito Internacional. Na visão do politólogo americano Hans J. Morgenthau os factores do poder e da soberania estão estreitamente ligados aos seguintes elementos: os dados geográficos; os recursos naturais; a capacidade industrial; o estado de preparação militar; a população; o carácter nacional; a moral nacional; e a qualidade da diplomacia. Segundo este politólogo: “O Poder de um Estado resulta portanto da combinação e do domínio desses critérios, e da vontade do Estado em os utilizar na cena internacional.” Fim de citação.


Neste âmbito, as Organizações Internacionais, em torno das Nações Unidas, são espaços de convergências, como veículos da Diplomacia Multilateral, regulada pelo Direito Internacional. É dentro deste sistema mundial de engrenagem e de entrosamento em que cada Estado membro exerce a sua soberania e defende os seus interesses nacionais, através da diplomacia alicerçada nos elementos acima referidos. Na cena internacional a concorrência é renhida de tal sorte que os Estados mais evoluídos, com economias fortes, bem organizadas, estruturadas e hierarquizadas têm maior capacidade de impor a sua vontade e influenciar os outros Estados.


É por isso que ainda persiste o «conceito de veto», exercido apenas por cinco países (EUA, Rússia, Reino Unido, França e China), dos quinze membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que são considerados (the Big Five) como «guardiões» da paz, do equilíbrio, da estabilidade e da segurança mundial. Enquanto África estiver no estado actual de atraso e de subdesenvolvimento dificilmente conquistará o «assento permanente» dentro do
Conselho de Segurança das Nações Unidas, de modo a defender directa e eficazmente os seus interesses neste «órgão decisório» que delibera, decide e determina o «destino» da Humanidade.


Vale sublinhar que, o avanço da ciência e da tecnologia, como motores da economia, configuram-se como factores-chaves da estabilidade social e económica, capaz de garantir o exercício eficaz do poder político e assegurar a soberania. A soberania moderna não é abstracta, é material, funda-se no poder económico, militar, tecnológico e científico. A China, por exemplo, suplantou a Rússia devido o crescimento acelerado da sua economia feito por via da industrialização e modernização, investindo massivamente na tecnologia, na educação, na pesquisa e nos recursos humanos, tirando o máximo das capacidades dos seus cidadãos.


Na verdade, o factor económico é que obrigou a União Soviética desistir-se da «guerra das estrelas», da corrida ao armamento atómico e nuclear, do expansionismo militar e da conquista da supremacia mundial. Pois, os níveis da pobreza nos países do Bloco do Leste estavam elevadíssimos; as indústrias pesadas estavam obsoletas; e a economia da União Soviética tinha-se entrado do estado de falência, incapaz de sustentar os custos elevadíssimos da Guerra Fria. Graças ao Realismo e ao Pragmatismo do Mikhail Gorbatchev, que vinha adoptar a Política da Perestroika (reestruturação) e do Glasnost (abertura e transparência) que fizera com que as componentes políticas, económicas e militares da União Soviética não entrassem no estado de decomposição.


No fundo, o factor humano está no centro das transformações que ocorrem nas sociedades modernas, através da educação, da pesquisa, da tecnologia, do desenvolvimento e do bem- estar da população. Pois, o padrão de vida da população de um país influencia a qualidade dos Órgãos do Estado e a solidez das Instituições Públicas. Uma sociedade com tecido humano desestruturado, pobre e faminto não é capaz de garantir a estabilidade social, assegurar a soberania e proteger o Estado. Acima disso, uma Nação nessas condições precárias não pode competir com outros Estados mais robustos e devidamente organizados e estruturados. Para dizer que, os elementos atrás mencionados, isto é, a economia, a ciência, a tecnologia, a educação, a pesquisa, o desenvolvimento e o bem-estar da população constituem os factores determinantes para a condução eficaz e eficiente da Política da Defesa Nacional.


Os grandes desafios do mundo contemporâneo estão contidos na «guerra assimétrica», que é travada em todos os espaços geográficos do mundo; sem alvos fixos e sem a meta estratégica de conquistar territórios; fixar-se em uma localidade ou confrontar directamente as grandes formações militares. Esta doutrina assimétrica apoia-se na guerra de nervos; no uso da violência desproporcional; nas acções violentas contra alvos moles; na criação da insegurança e pânico permanente na sociedade; e na mobilidade permanente. O objectivo estratégico da guerra assimétrica é de criar os desequilíbrios no sistema politico, militar, económico e financeiro; provocar caos e instabilidade social; inviabilizar o funcionamento normal das instituições; e descredibilizar e tornar ilegítimo o poder político.


A guerra assimétrica opera em pequenos grupos dispersos e moveis, que infiltram os sistemas; difundem a doutrina fundamentalista; recrutam novos adeptos; criam redes clandestinas; treinam novos agentes operativos; traficam armas e pessoas; lavam dinheiro; dominam pequenos negócios e alimentam o comércio informal; corrompe o sistema; e define os alvos estratégicos por envolver, sitiar, enfraquecer, atacar e neutralizar. A guerra assimétrica aplica as novas tecnologias cibernéticas, digitais e informáticas para sustentar as acções de desestabilização a nível mundial. A guerra assimétrica assenta-se no terrorismo internacional, que opera em vários níveis, aproveitando os factores internos de cada país para estimular revoltas, descontentamentos, conspirações, guerras intestinas, guerras de guerrilhas e sistemas de corrupção.


Acima de tudo, a guerra assimétrica explora a pobreza para recrutar novos adeptos, corromper jovens e mulheres, convertê-las na doutrina fundamentalista e transformá-los em instrumentos potentes de mobilização, de infiltração, de lavagem de cérebro e de branqueamento de capitais – infiltrando a economia formal e informal. A guerra assimétrica infiltra os seus operativos nos países ricos através do fluxo migratório, para dai implantar-se, criar núcleos, recrutar novos adeptos e estabelecer redes clandestinas e operativas. As igrejas e as seitas, em certa medida, na difusão doutrinária, podem transformar-se em potenciais instrumentos da guerra assimétrica. No ponto de vista doutrinário, a guerra assimétrica visa conquistar o mundo de forma silenciosa, atacar onde as condições estiver maduras e utilizar as zonas virgens como pontos de expansão, criando ninhos e plataformas para se organizar, estruturar-se, implantar os núcleos, consolidá-los e progredir gradualmente para outros espaços mais próximos ou mais vulneráveis. Importa saber que, a vulnerabilidade da guerra assimétrica assenta no facto de ser uma doutrina dogmática e violenta, sem ter um centro de comando unificado, sem a visão realista e pragmática do mundo contemporâneo, sem objectivo estratégico bem definido, e visando inviabilizar todo o sistema global que integra todos os Estados do Mundo.


Nesta lógica, o mundo está perante uma guerra sem fronteira; sem território fixo; sem uma estratégia única e definida; sem alvos fixos, visíveis e identificáveis; sem posto de comando unificado e fixo em um território; sem etnia, sem cidadania e sem nacionalidade específica; sem uma frente de combate física, fixa e identificável para atingi-la e desarticulá-la. Diante esta situação complexa, mesmo as grandes potências mundiais, como os EUA, com poderio militar esmagador, estão encravadas num dilema, sem encontrar uma Doutrina Militar adequada, para enfrentar decisivamente a guerra assimétrica.


Portanto, independentemente da «Macro Estratégia», alicerçada na redefinição dos conceitos, na reformulação dos métodos, na reorganização institucional e na reestruturação orgânica das forças terrestres, marítimas e aéreas, é imperativo buscar novos modelos estruturais, novas estratégias doutrinais e novas tácticas operacionais. Além do armamento e técnicas de combate, é preciso acautelar bem os Serviços de Inteligência Militar e a sua articulação operacional com outros Serviços da Segurança Interna e Externa. O ponto fulcral reside na Contra Inteligência, para torna-la mais eficaz, flexível, actuante, activa, dinâmica, fluida e penetrante. Deve-se estudar bem a hierarquização e a estratificação dos Serviços de Inteligência Militar, torna-los compactos, especializados, operacionais, a operar em espaços específicos, em níveis diferentes, e com atribuições específicas e distintas.


O patriotismo, a consciência nacional, a vigilância, a educação e o bem-estar das comunidades são factores-chaves da Segurança do Estado e da Inteligência Militar. Pois, os Serviços de Inteligência e da Segurança devem mergulhar-se na população, viver nas comunidades, articular-se nelas, navegar dentro da população (como peixe na água), entrosar-se, conviver, partilhar informação e manter-se vigilante e consciente da Defesa da Pátria. Durante a Guerra Mundial II, o Povo Francês, da Cidade de Paris, é que criou células clandestinas, fornecer informação colhida ao Comando da Resistência, atacar alvos isolados e vulneráveis das tropas NAZIS, neutralizar as vias logísticas, criar a insegurança, pânico e ansiedade nas tropas alemães. Nesta actividade, a «mulher francesa» destacou-se na clandestinidade, em infiltrar as unidades alemãs, corrompe-las e sacar informação uteis e transmiti-las ao Comando da Resistência, em Londres, sob Comando Supremo do General Charles de Gaulle.

Nesta matéria, o Sector da Engenharia Informática deve merecer a atenção especial em termos da funcionalidade, da capacitação, da tecnologia de ponta, da guerra cibernética, da inovação, das telecomunicações, da robotização, da inteligência artificial, da automatização, da programação, da tecnologia espacial e da informatização dos serviços administrativos e operacionais. Na verdade, o avanço da tecnologia robótica, alicerçada na inteligência artificial, constitui o grande desafio do Século XXI, que irá determinar decisivamente a Nova Ordem Mundial, a Segurança Internacional e a implantação do Homem noutros Planetas do Universo. A tecnologia robótica já está na fase muito avançada e tem o potencial de alterar o contexto dos conflitos armados e da guerra assimétrica. Com certeza, as próximas Guerras Convencionais entre as Potências Mundiais não serão feitas somente por pessoas, mas sim, por robôs – no espaço terrestre, no espaço marítimo e no espaço aéreo.


Interessa frisar que, as comunidades angolanas no estrangeiro constituem o «factor estratégico» da Defesa Nacional, por ai residirem quadros mais capacitados, com conhecimentos avançados, vivendo em espaços diferentes, com realidades específicas e com os níveis da civilização muito avançados, no caso especifico dos países industrializados. Mas isso requer o investimento nas comunidades, a aproximação, a credibilidade e a legitimidade das Instituições do Estado. Por outro lado, é imperativo investir fortemente na capacitação do pessoal, na adequação do armamento, na redefinição dos conceitos operacionais, no apetrechamento das unidades, e na adequação do equipamento. Acima de tudo, proporcionar ao pessoal militar o bem-estar social, em termos do salário, habitação, condições de trabalho, meios de transporte, segurança social, saúde, educação dos filhos e a reforma militar condigna.


Por outro lado, é premente erradicar os resquícios da cultura da exclusão, do nepotismo, do favoritismo, do cabritismo, da corrupção, do tráfico de influências e do sectarismo partidário nas Forças Armadas e na Polícia, onde as oportunidades de formação, de especialização, de bolsas de estudos, de promoção e de colocação estão sendo ligadas à matriz político- partidária. Pois, o preconceito sectário, implantado na mentalidade de alguns sectores da sociedade angolana é um dos maiores «handicaps» para o aproveitamento mais eficiente e adequado dos quadros mais aptos e competentes. Promovendo, deste modo, a mediocridade e a incompetência que se verificam largamente dentro dos Aparelhos do Estado Angolano.


Em síntese, o êxito das Reformas politicas, militares, estruturais, económicas, financeiras e do poder judicial depende da vontade política de conduzi-las com realismo, pragmatismo, transparência, prudência, firmeza e coragem. As Reformas se tiver o carácter superficial não produzem resultados palpáveis desejados, até é provável inverter o quadro e piorar a situação. A «mudança da mentalidade» é a pedra angular de todo o processo da transformação do sistema político angolano. A Política da Defesa Nacional deve ser encarada com muita seriedade e prudência, por ser o sector estratégico mais sensível e mais vulnerável, com o potencial de ser manipulado e instrumentalizado, inviabilizando assim o processo da mudança e da transformação profunda do Estado Angolano.


Importa enfatizar que, um país no estado de depauperação não é capaz, a prazo, desenvolver capacidades militares importantes, sem superar a crise social e económica para agregar eficientemente os elementos enumerados acima, em que o papel da população é primário na Defesa Nacional.

Luanda, 27 de Fevereiro de 2020.