Luanda - A Associação dos Juízes de Angola (AJA) revelou que há famílias que têm sido desapropriadas de terrenos e de casas nos grandes centros urbanos por decisão dos tribunais, sem serem ouvidas previamente, porque a lei em vigor “excepciona e veda” o direito ao contraditório.


Fonte: Jornal de Angola

Cidadãos comuns, em função da sua condição económica baixa, têm sido, muitas vezes, abordados por pessoas que apresentam documentos e, depois de levar o caso aos tribunais, acabam por ficar com as suas propriedades, sobretudo terrenos em que já moravam famílias há anos.



Ao Jornal de Angola, a vice-presidente da AJA, juíza Tatiana Aço, disse que “é urgente reformar a norma legal sobre o procedimento cautelar de restituição provisória de posse”, enquanto não é aprovado um novo Código de Processo Civil, cuja Proposta já se encontra na Assembleia Nacional.


A magistrada considera que há necessidade de uniformização dos actos judiciais deste procedimento cautelar, despoletar uma mudança legislativa sobre bens imóveis habitáveis e obstar ao uso abusivo desde expediente jurídico processual.


A reforma da norma dos artigos 394º e 395º do referido código, sobre a providência cautelar de restituição provisória de posse, segundo Tatiana Aço, iria permitir que um juiz ouvisse a parte contrária numa acção do género, antes de tomar uma decisão final.


Segundo a magistrada judicial, a realidade actual é diferente, porque regista um desordenamento territorial, a emissão de títulos a favor de duas ou mais pessoas sobre o mesmo bem, a transmissão de bens imóveis mediante escrito particular e a ausência de um sistema de registo que permita aferir a cadeia de transmissão dos bens imóveis que têm dificultado o julgamento desta providência cautelar.


“A não audição da parte contrária, por força do regime jurídico do procedimento cautelar de restituição provisória de posse, pode conduzir a que se profiram decisões que penalizem quem efectivamente não prevaricou, dando lugar, às vezes, a reclamações na comunicação social”, disse Tatiana Aço.


A magistrada acrescentou ainda o facto de um juiz poder ser induzido a proferir uma decisão em que as testemunhas faltaram com a verdade num processo judicial desta natureza.

 

Outro problema que este regime cria, segundo a juíza, é o de vedar o recurso imediato de uma decisão que ordenou a restituição do bem, “pois a lei apenas permite fazê-lo após ter sido citado na acção principal e no prazo de oito dias, o que, deveras, é penoso para quem ficou privado do seu bem, sem nunca ter sido esbulhado com violência.”


Dada a urgência da situação, que divide a jurisprudência angolana e que, às vezes, pode levar os juízes a proferir decisões injustas, a solução, segundo a juíza Tatiana Aço, passaria por uma alteração pontual aos artigos 394º e 395º do actual Código de Processo Civil, impondo ao juiz a obrigação de realização de inspecção judicial no local da situação do bem. A magistrada defendeu, ainda, a possibilidade do réu (requerido) opor-se ao procedimento decretado, logo após a notificação da decisão.


Outra forma de combater essa situação, segundo a vice-presidente da AJA, é permitir ao juiz ouvir a parte contrária, garantindo o efectivo direito à defesa e cumprir o primado da Constituição da República de Angola, o direito do réu recorrer da decisão que decrete a providência e a possibilidade do réu prestar caução para evitar a execução da decisão.