Lisboa - Para quem não se lembra, quando todos os socialistas ainda balbuciavam a defesa de Sócrates em público, Ana Gomes foi das primeiras militantes de relevo a colocar o dedo na ferida sobre as actividades do ex-primeiro-ministro.

*Ana Sá Lopes
Fonte: Público

É bom para o PS e para os simpatizantes socialistas que Ana Gomes, que por estes dias se encontra “a reflectir”, avance para uma candidatura presidencial. E Ana Gomes avançará porque uma das suas características é não ter medo. Nem medo do chefe, nem medo das conveniências, nem medo das críticas. Convenhamos que, nos tempos que correm, no ambiente estranho da política nacional, não ter medo é um activo único. Para quem não se lembra, quando todos os socialistas ainda balbuciavam a defesa de Sócrates em público, Ana Gomes foi das primeiras militantes de relevo a colocar o dedo na ferida sobre as actividades do ex-primeiro-ministro.


Os grandes partidos como o PS têm como característica, principalmente quando estão no poder, a instigação do medo da dissidência. Os críticos tendem a calar-se e a fazer contas às respectivas vidas e a discussão interna decorre numa mole de unanimismo pouco saudável e assassino da democracia – e não só da democracia interna. Aliás, o exemplo gritante é a comissão política que decorreu já depois de este editorial ser escrito.


A aposta principal do PS era, como escreveu São José Almeida aqui no PÚBLICO, evitar a todo o custo que a discussão sobre presidenciais se fizesse. Estamos no domínio do absurdo: pouco depois de o secretário-geral ter vindo defender a reeleição do actual Presidente, e de vários socialistas de topo terem manifestado o apoio (Ferro Rodrigues, Augusto Santos Silva), uma reunião alargada do PS tem como objectivo travar o debate. A mesma razão mirabolante justificava a ideia de adiar o congresso do partido para depois das presidenciais, defendida por Carlos César, com natural ámen de António Costa. Todo este comportamento é, em si, um discurso antipartidos. Provavelmente, os responsáveis nem percebem o que estão a fazer.


É óbvio que muitos eleitores socialistas se revêem na forma como Marcelo tem desempenhado as funções de Presidente da República. Costa naturalmente “responde” a esse eleitorado ao fazer aquela declaração surpreendente na Autoeuropa. Mas há outra parte que não se revê e por muito unanimismo e harmonia entre as espécies que circule entre Belém e São Bento, alguns socialistas ainda se vão lembrar de que Marcelo Nuno Rebelo de Sousa ainda é um homem de direita – por muito que alguma direita pareça desconsolada por estes dias, mas vai refazer-se e naturalmente apoiar Marcelo.

Augusto Santos Silva não tem razão quando diz que o apoio a Marcelo é essencial “para travar dinâmicas populistas”. A moleza do espírito centrão é o maior amigo dos candidatos a populistas. A candidatura de Ana Gomes aí pode ter um papel mais importante do que parece.