Luanda - DISCURSO DE SUA EXCELÊNCIA JOÃO LOURENÇO, PRESIDENTE DA REPÚBLICA DE ANGOLA, NA REUNIÃO SOBRE O IMPACTO DA COVID-19 NA ECONOMIA E NA VIDA DAS FAMÍLIAS


Luanda, 29 de Maio de 2020

 

-Senhor Vice-Presidente da Republica;
-Senhor Presidente da Assembleia Nacional;
-Venerandos-Juízes Presidentes do Tribunal Constitucional e do Tribunal Supremo;
-Senhores Presidentes dos Partidos Políticos
-Dignos Representantes da Sociedade Civil;
-Distintos Convidados;
-Povo Angolano

Desde o surgimento e propagação da COVID-19 à escala mundial, mas sobretudo durante os diferentes períodos do Estado de Emergência que vigoraram no país, reuni-me com os membros do Conselho da República e ouvimos a Assembleia Nacional por mais de uma vez, no sentido de concertar as medidas a tomar que julgávamos serem as mais acertadas para fazer frente ao perigo que ainda nos ameaça.


Na actual fase da luta contra a COVID-19, entendi alargar o diálogo para a sociedade civil, ouvindo eminentes académicos, representantes da classe empresarial privada, jornalistas e fazedores de opinião, líderes religiosos e outros, não tanto para falarmos dos desafios presentes, mas sobretudo para traçar as linhas da estratégia dos programas económicos e sociais no pós COVID-19 para salvar a economia, a vida das empresas, o emprego e a vida do cidadão.


Agradeço a presença de todos e espero que no termo desta reunião alargada possamos ter uma visão mais profunda da actual situação epidemiológica, económica e social do país, de modo a abordarmos com maior franqueza o impacto da COVID-19 na economia e na vida das famílias.


​ Como consequência dos efeitos directos e indirectos da pandemia, existe a previsão generalizada de que a economia mundial entre em recessão em 2020 e que apenas inicie a sua recuperação em 2021,se for suportada por medidas e políticas correctas de estímulo à actividade económica e empresarial.


Uma das consequências da COVID- 19 na economia do nosso país é a forte queda do preço do petróleo que se verifica no mercado internacional. Como sabemos, os recursos do petróleo representam mais de 60% das receitas tributárias de Angola e mais de 90% das suas receitas de exportação.


Entre o início de Janeiro de 2020 e o final do mês de Março, o preço do barril de petróleo sofreu uma queda abrupta de 67%, ao sair de 69 para 22 dólares americanos por barril.


A recuperação do preço deste produto tem sido lenta, estando nos últimos dias em média ao redor dos 30 dólares por barril.
Esta forte queda do preço do petróleo tem os seguintes efeitos na nossa economia:


a) A redução das receitas cambiais do país e, como consequência, a diminuição da nossa capacidade de pagamentos do exterior;
b) A redução das receitas fiscais do Estado, comprometendo, assim, a implementação de muitos dos seus programas e projectos;
c) A redução da capacidade de endividamento do país no exterior e internamente, em decorrência da diminuição da sua solvabilidade;
d) A tendência para a acumulação de atrasados pelo Estado;
e) A diminuição da actividade económica não petrolífera, como resultado da redução dos níveis da procura agregada e da capacidade de importação de matérias-primas e equipamentos;
f) A redução do potencial de arrecadação fiscal não petrolífera, decorrente da queda da actividade económica não petrolífera.
Para fazer face a esta situação, o Executivo adoptou um conjunto de medidas de apoio às empresas e às famílias.


No domínio fiscal, há a destacar a necessidade de revisão do OGE para o ano de 2020. Com esta revisão, vai se alterar o preço de referência do barril de petróleo dos actuais 55 dólares americanos para um valor mais realista e compatível com a tendência actual que se verifica na trajectória do preço desta commodity no mercado internacional.


O Executivo vem tomando medidas corajosas no sentido da redução das despesas do Estado. O país conseguiu obter saldos orçamentais positivos em 2018 e 2019, depois de ter apresentado sucessivos défices orçamentais entre 2015 e 2017.


As medidas tomadas pelo Banco Nacional de Angola para apoiar as empresas são também amplamente conhecidas, sendo aqui de destacar o facto de esta instituição ter aberto uma linha de crédito de 100 mil milhões de Kwanzas para adquirir obrigações do Tesouro a empresas de pequena e média dimensão, que precisem de recursos de tesouraria imediata, sem quaisquer perdas decorrentes de descontos sobre o valor dos títulos em carteira.


Outras medidas estão a ser implementadas, com vista a desanuviar a pressão sobre a tesouraria das empresas com obrigações tributárias, outras para assegurar o financiamento às micro, pequenas e médias empresas do sector produtivo e outras ainda para proteger o bem-estar das famílias e assegurar a manutenção e criação de postos de trabalho.


Minhas Senhoras, Meus Senhores,

A acção governativa do país tem sido orientada pelo Plano de Desenvolvimento Nacional 2018-2022. De acordo com a metodologia definida para a implementação deste Plano, o mesmo deve ser objecto de uma revisão no decurso do presente ano, que corresponde a metade do tempo da sua vigência.


Por esta razão, a par da revisão do OGE para o ano 2020, a que já me referi, o Executivo vai igualmente proceder a uma revisão intercalar do Plano de Desenvolvimento Nacional, elaborando um Programa de Acção para os anos 2020 a 2022, na base de pressupostos que mais se ajustem à situação actual do país e do mundo.


Nesta revisão, a par da atenção que continuará a ser prestada à área social, onde se inclui a educação, a saúde e a protecção social, um foco muito grande deve ser dado ao aumento da produção nacional.


O país tem estado a viver um ambiente de recessão económica desde 2016, devido principalmente à forte dependência da nossa economia a um único produto de exportação, o petróleo, que tem evidenciado um crescimento negativo nos últimos anos.


Para fazer face a esta situação, não nos resta outra saída que não seja o aumento com rapidez e eficácia da produção nacional. Só com o aumento da produção nacional poderemos aumentar os níveis de emprego em Angola e assim aumentar os rendimentos dos cidadãos e das famílias angolanas.


Devemos concentrar todo o nosso saber e experiência no aceleramento do ritmo de execução do programa de apoio à produção nacional, substituição de importações e promoção das exportações, vulgo PRODESI.


É importante trabalhar para alcançar-se a auto-suficiência na produção dos produtos básicos de maior consumo. Os incentivos devem ser dados aos homens e mulheres de negócios que apostem na produção local.


Para esses, que sejam removidas todas as eventuais barreiras que ainda persistam, e que tenham prioridade no acesso ao crédito e às divisas, para a importação da maquinaria e matérias-primas de que necessitem.


Neste grande esforço de aumento da produção nacional, vamos trabalhar em equipa, onde jogamos cada um na sua posição, jogadores e adeptos desse club que se chama Angola e com o compromisso de levá-lo à vitória.


Estamos todos convocados, o Executivo, a classe empresarial, as Universidades e todos aqueles que queiram contribuir com seu talento, seu saber e seu trabalho para que a estrutura económica de Angola seja definitivamente alterada, de modo a que o sector não petrolífero tenha um maior peso no PIB, na captação de receitas fiscais e de recursos externos para o país.


O petróleo financiou e promoveu o surgimento de economias florescentes e pujantes nascidas das areias do deserto por um lado, mas por outro lado, esse mesmo petróleo se tornou num entorpecente que fez adormecer certos países na ilusão de que as receitas do petróleo compram tudo, bens e serviços de fora a preços mais baratos, estagnando, assim, suas economias.


Evidentemente que entre as duas situações atrás citadas, só há uma opção a seguir, a do investimento privado na produção interna de forma diversificada, privilegiando todos os ramos da economia não petrolífera.


Apenas a agricultura, as pescas, a indústria transformadora, o turismo e outras, garantem efectivamente a segurança alimentar, o emprego sustentável e a oferta de bens essenciais às populações.


Encorajamos vivamente todas as medidas em curso, no sentido de fazer com que o Comércio sirva mais à Industria tanto na importação das matérias primas, como também no fomento da exportação dos produtos agrícolas e industriais “made in Angola”.


Para além da forte dependência da nossa economia ao petróleo e o pouco investimento privado em outros ramos da nossa economia, enfrentamos ainda a ameaça do grande endividamento externo e sua relação com o PIB, assim como a forma de reembolso com colateral de barris de petróleo para com alguns dos principais credores.


Em Dezembro de 2019, Angola liquidou a dívida para com o Brasil.


Preocupado com a sustentabilidade da dívida, o Executivo deu início à renegociação da nossa dívida soberana e comercial com as principais instituições credoras de Angola, processo que foi interrompido por pelo menos três meses por força da pandemia da COVID-19, porém já reatado e cujos resultados serão oportunamente conhecidos.


Em termos da sustentabilidade das finanças públicas, para além das medidas de consolidação fiscal que temos vindo a levar a cabo, continuamos a trabalhar de forma construtiva com os nossos principais parceiros internacionais, em medidas que permitem garantir o crescimento económico e a solução dos grandes problemas sociais que Angola ainda enfrenta.


Minhas Senhoras, Meus Senhores,


Aos 18 de Março, dirigi uma Mensagem à Nação quando ainda não se tinha registado nenhum caso de COVID-19 em Angola, apelando para que tanto nacionais como estrangeiros residentes no país se mantivessem serenos e observassem com rigor as medidas constantes do Decreto Legislativo Presidencial Provisório e também as orientações da Organização Mundial da Saúde e de outras instituições e entidades públicas.


Hoje, apesar de já se registar um “cenário de transmissão local esporádica”, de acordo com a terminologia adoptada pela OMS, continuamos felizmente a ser um dos países menos afectados pela COVID-19.


Em razão dos sacrifícios até aqui consentidos pelo povo, e atendendo à distribuição desigual da vulnerabilidade, foi oportunamente decidido o apoio social às famílias de alto risco ao nível nacional, no âmbito do combate à pobreza, com a distribuição gratuita de víveres e material de higiene, extensivo às minorias étnicas do país.


Importa agora começarmos a pensar num plano de alívio para as famílias e as empresas, a ser paulatinamente adequado aos vários cenários epidemiológicos que forem surgindo, cuidando que a vida produtiva retome o seu curso dentro da normalidade possível.


Vivemos tempos dramáticos, sem que seja possível prever a duração da pandemia e as suas consequências a médio/longo prazo no quotidiano da população e na vida económica do nosso país.


Ao longo dos últimos 45 anos como nação independente, Angola enfrentou grandes ameaças à segurança nacional e à saúde pública, seca severa e inundações, mas vencemos ou superamos porque agimos sempre com sabedoria, coragem e determinação.


Todas as medidas que possam ser impostas ou aconselhadas no âmbito de um Estado de Emergência ou de Calamidade, servem sobretudo para procurar conter temporariamente a expansão geográfica e numérica da pandemia num dado território, enquanto não for descoberta e produzida alguma vacina segura para imunizar as pessoas contra a COVID-19, algo que infelizmente só ocorrerá provavelmente no próximo ano segundo os grandes laboratórios de pesquisa mundialmente reconhecidos.


Isto para dizer que certos comportamentos a que a COVID-19 nos obrigou a adoptar, como usar máscara em certos ambientes, manter o distanciamento entre pessoas, higienizar as mãos com frequência, evitar aglomerações e afectos físicos, devem passar a fazer parte da nossa forma quotidiana de estar, da nossa educação, por tempo indeterminado.


Estas boas prácticas previnem também o contágio e propagação de outras doenças por vezes endémicas como a cólera, a febre amarela, o sarampo, a tuberculose, a lepra, o ébola e o Marburgo que, como sabemos, vão surgindo ciclicamente no nosso continente.


Ao convidar para este encontro tão ilustres figuras da nossa sociedade, solicito a vossa contribuição na busca de uma saída que de forma paulatina e segura, nos leve, por um lado, a defender a saúde pública, caminhar para a normalização da vida social das pessoas, mas ao mesmo tempo recuperar a produção nacional de bens e de serviços, aumentar as exportações e a oferta de emprego.


Reconheço não ser um exercício fácil, mas acredito que com a abertura hoje existente e facilidade de diálogo franco e aberto entre o Executivo e a sociedade civil, encontraremos os melhores caminhos no interesse das famílias, das empresas e da economia nacional.


Na sequência desse mesmo diálogo regular e frutífero existente hoje entre o Executivo e as Associações empresariais, estamos em condições de evoluir rapidamente para a criação do Conselho de Concertação Económica que integre renomadas figuras da economia, do direito, da sociologia, empresários e outros.
Tão logo seja criado, acreditamos que passaremos a ter um importante instrumento bastante inclusivo ao serviço dos órgãos de decisão em matéria de política económica.


Mais uma vez agradeço a presença de todos.

Muito obrigado pela vossa atenção!