Johanesburgo – Faleceu nesta sexta-feira (4), na África do Sul, o empresário angolano António Segunda Amões depois de ter estado, durante 10 dias,  a receber tratamentos intensivos numa unidade hospitalar na cidade de Johanesburgo, decorrente de um acidente vascular. 

Fonte: Club-k.net

António Segunda Amões nasceu em Fevereiro de 1969, na Aldeia da Camela, no Huambo. Formou-se em geologia e petróleo, na ex-União Sovietica, na cidade de Baku, entre 1986 a 1991. Era religioso, casado e deixou oito filhos.

 

O empresário que liderava dele Julho de 1997, Grupo ASAS, destacou-se nos últimos anos a reerguer a aldeia Camela Amões, no planalto central. A sua agenda seria a construção de mais aldeias nos próximos 50 anos.

 

Segunda Amões é irmão do também malogrado Valentim Amões. Em finais da década de noventa mudou-se para a África do Sul investindo no sector da construção civil e hotelaria. Porem, seria no regresso a Angola que aplicou-se na reabilitação da sua aldeia natal como modelo que serviria para mais localidades, conforme explicou numa entrevista a Agencia ANGOP,  em 2018, que o Club-K  retoma.

 

Estas e outras questões são desenvolvidas pelo empreendedor, em entrevista à ANGOP, que se segue na íntegra:

ANGOP: O que é o Grupo ASAS?

Segunda Amões (SA) – O Grupo ASAS é hoje proprietário de vários empreendimentos, designadamente uma imobiliária, uma empresa de transportes e outra de equipamentos e viaturas pesadas de construção que se dedica à edificação de casas para renda e venda, com um activo acima de mil milhões USD.

Devido à crise económica mundial, decidimos inclinarmo-nos, fundamentalmente, para um produto: a reforma das aldeias de Angola. Apresentámos a nossa proposta ao Governo e vamos mostrando à sociedade o que um empresário angolano consegue fazer com fundos próprios. O principal objectivo é reformar as aldeias do país, com base num exemplo-piloto que estamos já a implementar na aldeia Camela Amões.

 

ANGOP: E porquê que se decidiram pela reforma da Camela?

SA – Em 2011, tivemos uma infelicidade no seio da família; morreu uma tia nossa que tinha estado hospedada, durante algum tempo, connosco na África do Sul, e, portanto, tínhamos criado certo laço. Por essa razão, a minha esposa decidiu-se a acompanhar-nos no óbito que se realizou na Camela Amões, de onde era natural e residente. O velório ocorreu na sua humilde casa e tudo debaixo de uma mangueira, sem as mínimas condições, como uma casa de banho. Nessa ocasião, a minha esposa fez-me a seguinte crítica: – “O teu irmão Faustino é rico; o teu irmão Valentim é muito rico; tu és uma pessoa rica. Não consigo perceber como é que pessoas tão abençoadas permitem que o lugar onde nasceram não tenha sequer uma casa de banho. É uma vergonha”!

Assim, depois de engolida a crítica, decidimo-nos (os irmãos) a dar alguma dignidade à nossa aldeia. Começámos por construir uma escola, um centro médico e duas igrejas. A obra começou a ficar bonita e pusemos uma loja para a permuta de produtos. Quando as condições estavam mais ou menos criadas, construímos uma casa social para o nosso avô, que logo se destacou das demais. Foi aí que começou a surgir a ideia de dar real dignidade à nossa aldeia. Preparámos o projecto e começámos a estendê-lo, aos poucos, a toda a aldeia.

 

ANGOP: E como surge a denominação Camela Amões?

SA – O nome é dado em homenagem ao fundador da aldeia, o nosso bisavô Prata Camela, mas, ao longo de 2014, quando dizíamos que íamos à Camela, perguntavam para que Camela nos dirigíamos, já que as aldeias ao redor eram, quase todas, denominadas Camela (em Umbundu folha pequena), e as pessoas, para diferenciarem, sempre se referiam à nossa aldeia como a Camela do Valentim Amões, portanto, daí passou facilmente à Camela Amões.

ANGOP: O que é o projecto Camela Amões?

SA – Estamos a falar de uma área de 40 mil hectares, com três tipologias de casas, de um projecto-piloto que queremos levar a todo o país; as do Tipo A são vivendas T3 e T4 para os técnicos que trabalham no projecto, nomeadamente professores, engenheiros, enfermeiros, pedreiros, canalizadores, electricistas e outros que se enquadram na matriz.

O Tipo B compreende as casas sociais para os habitantes locais e o C são bangalós construídos para o turismo.

ANGOP: Como o projecto assumiu as proporções actuais?

SA – Pretendemos dar uma visão global de como o angolano gosta de viver, porque Angola é um território vasto, não tem problemas de terra. Quando andamos de carro pelo país, vemos mais matas do que vilas habitadas. Isso quer dizer que temos espaço, por isso queremos estender o nosso “Mega Sonho”, como se diz, que é a Camela Amões.


O projecto de construção da área social é implementado numa superfície de meio hectare, para que cada proprietário tenha um espaço verde, de modo a preservar a sua actividade, usos e costumes, além de poder conservar uma zona para a sua otchumbo (lavra de proximidade), para os períodos de chuva miudinha e intermitente que não deixam ir ao campo.

ANGOP: Em quanto está avaliado o projecto?

SA – Até 2025, no final da primeira fase do projecto, prevemos gastar 400 milhões de dólares, o que inclui a construção de duas mil casas sociais, duas igrejas, um centro médico, 15 escolas do I e II ciclos, uma lavandaria, creches, padaria e zona fabril.

O projecto de construção de fábricas será implementado à medida do crescimento do complexo habitacional, uma vez que a zona produz muita batata e tomate. Temos a previsão de construir fábricas de conserva de batata em palito (para fritar), tomate pelado, entre outros derivados ainda em estudo, além de mais planos que poderão surgir consoante as necessidades.

Neste momento, por exemplo, está a ser montada uma fábrica de derivados de soja, um produto local com elevados excedentes de produção, bem como outra de engarrafamento da água da Camela.

ANGOP: De onde vem o material usado na construção do projecto?

SA – O material de construção é maioritariamente local. As casas sociais são feitas de terra vermelha. Estamos a usar bloco vermelho, que é fabricado na Camela. A fábrica faz, em média, 20 mil blocos mês. Temos também, localmente, uma fábrica de chapas de zinco. O cimento é nacional, mas a restante matéria-prima vem da China.

ANGOP: Porquê semáforos na aldeia Camela Amões?

SA – O movimento de máquinas e equipamentos que temos na Camela justifica a instalação de semáforos, além de que pretendemos ter um papel pedagógico. Se olharmos para os grandes centros onde há cupapatas, estes vivem algumas dificuldades de adaptação, pois são, na sua maioria, pessoas provenientes das aldeias. Tenho a certeza de que o homem que sair da Camela não vai ter esse tipo de problemas.

ANGOP: Quantos técnicos estão envolvidos no projecto e de que especialidades?

SA – Temos mais de 50 técnicos, todos angolanos, fora uma família brasileira que cuida da área turística e dos animais, ou seja, 99 por centro dos quadros são angolanos e queremos provar, com esta atitude, que a aposta nos quadros nacionais é sustentável.

Não acredito no milagre vindo de fora, e também porque o estrangeiro acaba sempre por nos cobrar em dobro. Pelos gastos que fizemos ao longo dos últimos 40 anos, tendo em conta a minha pequena experiência, estaríamos todos muito bem de vida se tivesse sido bem aplicado todo o dinheiro envolvido; seríamos hoje uma referência em África, do ponto de vista do Desenvolvimento Humano.

ANGOP: Como funciona o projecto Aldeia Camela Amões?

SA – A Camela Amões é agora uma aldeia central de cerca de 30 aldeias circundantes. As casas sociais por nós construídas não são dadas aos aldeões, pertencem a uma cooperativa habitacional e são pagas em 40 anos e só podem ser pagas em espécie: com animais da cooperativa agro-pecuária ou em produtos, se aderir à cooperativa agrícola.

As casas estão avaliadas em oito milhões de Kwanzas e são entregues completamente equipadas: com água, energia, toda mobilada, com fogão e geleira a gás, televisor por satélite, louça e mudas de cama inclusive; mas não podem ser pagas a dinheiro, apenas com produtos, uma forma de evitar o êxodo rural e de elevar a qualidade de vida do campo.

ANGOP: Como funcionam as cooperativas?

SA – Como disse, o projecto é composto por duas cooperativas, uma habitacional e outra cooperativa agro-pecuária, além da parte turística. Por exemplo, determinada família solicita uma casa e fala com a cooperativa agrícola, para que lhe prepare um terreno. A cooperativa tem a responsabilidade de lhe dar os inputs agrícolas, inclusive sementes, num terreno situado longe da zona residencial. A família trabalha o terreno e é responsável por entregar entre 10 a 15 por cento da produção à cooperativa para pagar os inputs e a preparação do espaço e mais 10 por cento para amortizar o valor da casa social onde mora. O excedente pode vender à cooperativa, que, por sua vez, processa e coloca nos grandes centros de consumo.

Já na cooperativa pecuária, produzimos animais, temos bastante gado caprino, ovino, suíno e aves. Se dermos um casal de ovinos ao proprietário de uma das nossas casas sociais que adira à cooperativa, as ovelhas dão crias duas a três vezes por ano, significa que, ao fim de um ano, vai ter entre quatro a seis animais; devolve os dois animais que a cooperativa lhe cedeu e começa um negócio. O camponês que inicialmente não tinha nada passa agora a proprietário e o excedente vai potencializar o desenvolvimento económico da região.

Acreditamos que até 2022 teremos de construir um matadouro para animais de pequeno porte, porque a actual produção e os sinais dados assim o indicam, portanto o projecto é sustentável, porque é inclusivo, conta com a participação de todos.

ANGOP: A Camela tem água e luz. Como conseguiu o feito e em quanto está avaliado?

SA – É simples. A energia que usamos é limpa, são painéis solares, dimensionamos as casas dos técnicos com 11 cavalos, as casas sociais com 3,5 a 7 cavalos, com dois sistemas alternativos.


Em relação à água, temos muita na província, abrimos vários furos dentro da Camela, o que nos permite ter água potável cristalina e fresca. Cada casa, completamente equipada já com água e luz, custa oito milhões de Kwanzas.

ANGOP: Fale um pouco do projecto escolar…

SA – Neste momento, já construímos 10 escolas comparticipadas do I e II ciclos, com alunos provenientes de todas as aldeias situadas nas proximidades e professores vindos do Bailundo e de Cachiungo, que, em alguns casos, acabaram por fixar residência na Camela Amões, pelas condições que oferecemos, beneficiando das casas do projecto.

ANGOP – E sobre o projecto turístico, quais as previsões de arranque?

SA – É um projecto em crescimento que prevê uma zona de lazer, com animais selvagens. Presentemente, já temos antílopes, búfalos, gnus, zebras, cavalos e avestruzes.

Estamos também a fazer represas e lagoas artificiais com patos, gansos e peixes. Há uma empresa sul-africana que está a preparar a proposta de implementação de um jardim zoológico, que poderá arrancar ainda em 2019, com leões, onças, elefantes, girafas e outros animais. Queremos fazer do nosso projecto algo atractivo, que nos traga turistas, oferecendo conforto e comodidade.

Para reforçar a comodidade dos nossos possíveis clientes, estamos abertos à cooperação com empresários de outras áreas, como transportes e turismo, para trazerem outros serviços que completem o pacote.

Presentemente, já realizamos, na Camela, turismo religioso e recebemos um ou outro cidadão curioso, que vem de ouvir contar, mas isso acontece ainda em pequeníssima escala.

ANGOP: Quem é Segunda Amões?

SA – Sou um empresário angolano, cuja história começa depois de 1979, altura em que o meu irmão mais velho, Faustino, foi transferido para o Cuando Cubango e abriu, nessa província, a alfaiataria Wapossoka. Anos mais tarde, fui ter com ele e, muito cedo, transformei-me no ajudante que, na ausência dele, tomava conta do negócio. A partir daí, nunca mais parei.

Em 1991, fundei a minha empresa, a Angostroi, em Luanda, ligada à construção civil. Foi muito dinâmica nos anos 90. Trabalhávamos na recuperação de infra-estruturas provinciais: escolas e hospitais, fundamentalmente. Estivemos em mais de 10 províncias, mas foram os governos do Moxico e do Huambo os nossos maiores clientes.

Com o crescimento do mercado e das necessidades típicas de um país que vivia um conflito armado, surgiram as oportunidades, e eu criei outras instituições, também neste ramo, como Soatel, Salovil, Seryl, e, em 1997, decidi-me pela fusão de todas no Grupo ASAS, de que sou presidente do Conselho de Administração.

PERFIL

Segunda Amões, nasceu na aldeia Camela, comuna do Chiumbo, município do Cachiungo, província do Huambo. Formado em Geologia de Petróleos pela ex-URSS, tem um bacharelato em Direito e especializações em Gestão e Economia.

A veia de empreendedor que pulsa em si é uma herança de família, pois, desde cedo, ajudou a mãe nas vendas no mercado, de onde corria para a escola, além de apoiar os dois irmãos mais velhos, Faustino e Valentim Amões, no negócio da venda de café, no Calilongue da Cuca, periferia do Huambo. É algo herdado por todos do fundador da aldeia Camela, o bisavô Prata Camela, um ferreiro que foi neto de Ekuikui I, o Rei do Bailundo.