Luanda - A polícia está a reter uma equipa da organização de direitos humanos angolana Mosaiko que se deslocou a Cafunfo para recolher informações sobre os incidentes de 30 de janeiro, alegando motivos de quarentena, disse o responsável da casa paroquial local.

Fonte: Lusa

A informação foi prestada à Lusa pelo padre José Alceu, responsável da casa paroquial da Paróquia de São Francisco Xavier da vila mineira de Cafunfo, segundo o qual os quatro elementos do Mosaiko -- Instituto para a Cidadania estão impedidos de sair desde terça-feira à noite.


"A casa tem estado sempre cercada [desde que chegaram], devido à visita dos meus hóspedes", declarou, acrescentando que se mantêm junto ao portão de entrada da casa paroquial dois polícias em permanência.

 

José Alceu avançou que não foram dadas explicações oficiais, nem qualquer documento escrito, que justifique o impedimento da circulação.

Segundo o mais recente decreto presidencial relativo à situação de calamidade pública, as entradas e saídas de Luanda, a única província sob cerca sanitária, estão condicionadas à realização de um teste serológico, com resultado negativo, válido por sete dias, aplicando-se a quarentena apenas a quem é proveniente do exterior do país.

Segundo o padre, a equipa do Mosaiko chegou a Cafunfo no dia 09 de fevereiro por volta das 16:30 e algumas horas mais tarde alguns polícias deslocaram-se até ao local para "averiguar se tinham chegado".

No dia seguinte, à chegada da missa, encontrou novamente polícias já no pátio.

 

"Disseram que queriam falar com os elementos do Mosaiko na esquadra. Nós dissemos que não iríamos, pois não havia nenhuma intimação ou notificação e, por isso, não sabíamos qual o motivo para ir lá", contou.

Os cerca de dez polícias retiraram-se e voltaram mais tarde a aparecer "com uma autoridade da Saúde".

"Nessa altura, fizeram fotos dos testes [todos com resultados negativos e que são obrigatoriamente apresentados nos vários controlos policiais até chegar à província da Lunda Norte] e sugeriram que ficassem em quarentena", continuou o padre.

José Alceu afirmou que a polícia controla todas as entradas e saídas da casa paroquial: "Eu posso sair, mas os do Mosaiko, não, orientaram para não saírem".

A vila mineira de Cafunfo foi palco de incidentes entre a polícia e populares no passado dia 30 de janeiro, de que resultaram um número indeterminado de mortos e feridos, estando sob um forte dispositivo das forças de segurança (polícia e exército) desde essa altura.

Nesse dia, segundo a polícia angolana, cerca de 300 pessoas ligadas ao Movimento do Protetorado Português Lunda Tchokwe (MPPLT), que há anos defende a autonomia daquela região, tentaram invadir uma esquadra policial, obrigando as forças de ordem a defender-se, provocando seis mortes A versão policial é contrariada pelos dirigentes do MPPLT, partidos políticos na oposição e sociedade civil local, que alegam que se tratou de uma tentativa de manifestação, previamente comunicada às autoridades, e que os manifestantes estavam desarmados.

Na passada terça-feira, deputados da União Nacional para Independência Total de Angola (UNITA), da Convergência Ampla de Salvação de Angola (CASA-CE) e do Partido da Renovação Social (PRS), oposição angolana, anunciaram que os incidentes de Cafunfo resultaram em 23 mortos, 21 feridos e 10 pessoas desaparecidas, afirmando que as forças policiais "dispararam indiscriminadamente contra os cidadãos".

Na quarta-feira a UNITA reviu estes números, ao divulgar um relatório dos cinco deputados daquele partido que se deslocaram a Cafunfo, juntamente com dois ativistas cívicos, mas que foram impedidos pela polícia de entrar na vila mineira, referindo que, pelo menos 28 pessoas morreram de forma "bárbara, hedionda e fria" e 18 ficaram feridas.

No documento, que contraria a versão de ato de rebelião e fala em protesto com 93 manifestantes, os deputados da UNITA pediram "responsabilidades aos atores do massacre".

O Bureau Político do Movimento Popular pela Libertação de Angola (MPLA), partido no poder, defendeu a atuação do Estado e criticou o posicionamento de líderes políticos e personalidades da sociedade civil e da igreja que condenaram os incidentes.

O órgão sublinhou que a abertura democrática desde a eleição do Presidente angolano, João Lourenço, em 2017, "é algo que veio para ficar", mas sustentou que o Governo tem constatado que esta maior liberdade de imprensa, de expressão, de reunião e de manifestação, "está a servir para promover o desrespeito à Constituição e à lei, aos símbolos nacionais, o desrespeito à autoridade instituída, ao património público e à propriedade privada".

Numa nota divulgada na semana passada, salientou que "os que querem a instabilidade de Angola deviam saber que quando um grupo de cidadãos nacionais e estrangeiros munidos com armas de fogo, armas brancas e objetos contundentes" atacam de madrugada uma esquadra policial, um quartel militar ou algum órgão de soberania, "não está a fazer uma manifestação, mas sim uma rebelião armada que merece da parte de qualquer Estado vigorosa reação".

Num comunicado divulgado na terça-feira após a 3ª reunião ordinária do Secretariado do Bureau Político do Comité Central do MPLA, orientada pela vice-presidente, Luísa Damião, o partido voltou a condenar o incitamento à instabilidade, reiterando que "a República de Angola é indivisível, inviolável e inalienável", pelo que "serão combatidas, de forma enérgica, todas as tentativas de divisão dos angolanos ou de violação da soberania nacional".